CAPÍTULO 5. Clã lésbico

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MISHA

Calma aí, deixa eu ver se eu entendi direito — ele me olha risonho do outro lado da tela do meu celular, jogado em uma beliche e usando um pijama de hospital azul marinho — a tatuada que tu pegou no bar semana passada é a irmã da noiva do teu pai — ele morde mais um pedaço do sanduíche que eu posso deduzir que seja de atum com queijo branco (o nosso preferido) — que é a mesma que entrou com a formanda loira que estava chorando no banheiro ontem — ele segura um riso — e ela vai te fazer companhia aí na fazenda enquanto tio Zeca viaja? Bom, você pode encarar isso como uma evolução espiritual ou... um presente de final de ano.

Eu estou muito mais ferrada do que eu pensei.

— Evolução espiritual? Presente? Gabriel, ela nem me olha na cara direito, falta pouco roubar todo o ar do ambiente com aquele nariz em pé e ar de aristocrata. Ela está me tratando como se nada tivesse acontecido entre a gente naquele dia no bar. Eu já te disse que ela estava beijando outra mulher quando saí do banheiro?

Ela tem namorada? — morde mais uma vez — vocês adoram namorar.

— Não! Quer dizer, não sei, acho que ela não tem namorada.

Acho que ela não tem mesmo, talvez se tivesse estaria na formatura junto com as amigas, né? Catarina teria soltado algo sobre isso... a Catarina fala demais.

— Ela. Não. Fala. Comigo.

Você já considerou que ela pode estar te ignorando porque você a deixou sozinha sábado?

Não, eu não considerei. Claro que eu não considerei isso, Gabriel. Pensei que eu nunca mais fosse encontrar essa garota na vida.

Preciso de um rosto, não consigo falar mal dos outros sem um rosto.

Pego a foto que tiramos ontem e meu pai enviou no grupo que ele fez para ter notícias nossas durante esse tempo que estiver viajando. 

Isso é um clã lésbico?

Solto uma risada porque é exatamente a energia que essa foto exala. Nara e meu pai no centro, rodeados por mim, Eris, o casal e a amiga descolorida. Mordisco mais uma uva do cacho enquanto solto-as para a salada de frutas. 

E a sua dor de cabeça é...

— A de cabelo preto e smo... — não consigo terminar a frase, sou interrompida antes disso. 

Agora eu entendi porque você está nervosa.

Franzo o cenho.

— Eu não estou nervosa. Eu estou irritada. Ela me irrita.

Eris se quer me olhou ontem, a única frase que falou comigo a noite inteira foi "vocês se conhecem?" e depois disse que eu poderia voltar com ela para a fazenda. Nada mais. Nenhum "oi, é você" ou "oi, tudo bem?" ou até o que seria o mais óbvio "por que você me deixou sozinha no bar naquele dia" mas não disse nada, nada, o que só me prova que estou certa em pensar o que estou pensando sobre ela.

E ela ainda é a irmã mais nova da noiva do meu pai e vamos passar o natal juntas, essa semana inteira juntas, as férias juntas, a vida... ahh pelo amor de Maria Bethânia. 

Ficamos mais um pouco na ligação. Conto para ele sobre a formatura, sobre como conheci Catarina e como as amigas dela me receberam e friso também que são amigas da Eris, o universo lésbico é mesmo uma ervilha. Quando eu falei que passaria as férias na casa do meu pai, Gabriel disse para eu me enturmar. Bom, isso é se enturmar, não é?

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora