CAPÍTULO 32. Céu

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ERIS

Rodovia BR-101

Sexta-feira, 20 de janeiro

Dois dias para a viagem

Duas semanas. Duas semanas se passaram desde aquele dia no bar com o Zeca e a Nara, daquele bilhete da Gisela, do RPG na casa da Bruna, de nós duas na cachoeira... Duas semanas de nós duas acumulando o máximo de experiências brasileiras para a futura inglesinha.
Duas semanas dormindo quase todos os dias juntas, mentindo diariamente para o pai dela e para minha irmã como duas adolescentes, trocando beijos escondidos, passeando por todos os cantos, conversando entre aulas sobre Belchior, MPB e cerâmica. Duas semanas dela fingindo não querer saber o nome do meu perfume, mas se agarrando a mim como um filhotinho toda vez que...

Minha mente me para assim que olho para o pingente de cerâmica em forma de folha, que balança de um lado para o outro com o movimento da caminhonete na estrada. Uma música toca na minha cabeça em looping, sem pedir permissão.

Get away, walk away, walk away — cantarolo, me forçando a focar na estrada e evitando as mãos, o cheiro... todo o cenário guardado na minha memória da nossa última...

— A noite foi tão boa assim? — A voz da Adria rouba meus pensamentos e me expulsa da minha própria mente.

— Oi? — olho para ela por reflexo, encaro a Haru dormindo no banco de trás da caminhonete e volto para a estrada.

Haru tem outro procedimento cirúrgico no Morato Souto, Adria uma reunião com a chefe e eu? Bom, eu vou visitar o meu advogado.

— Eris, é a terceira vez que tô tentando chamar sua atenção — Adria diz, levantando a pasta que está em suas mãos. — E você está cantando... Você. Cantando. Antes das... — ela olha o seu próprio relógio — são cinco e quarenta da manhã, irmão.

Olho de canto para a jornalista sentada no banco do carona e não consigo disfarçar o meu sorriso. Procuro meus óculos escuros no painel do carro e, quando finalmente os encontro...

— Volta pros pontos da sua pauta de reunião, volta — digo, balançando a cabeça de um lado para o outro enquanto os coloco.

— E ainda está rindo? — Adria fala mais uma vez. — É, jogadora cara...

*

Ateliê

Ontem à noite

Com os olhos fechados, escuto os pingos de chuva baterem na janela, alguns carros passando ao longe na rua, e os passos dela para lá e pra cá. Sinto o cheiro do meu perfume misturado ao cheiro do shampoo da Misha espalhado por todo canto deste ateliê, sinto o frio que assola meu corpo sutilmente, mas...

Uma melodia adentra meu espaço imaginário, e eu não sei de onde vem. Essa canção não vem do meu toca-discos.

— Tomei a liberdade de escolher uma música — a voz dela invade minha realidade antes de se materializar na minha frente.

— E eu já posso ter a liberdade de abrir meus olhos? — pergunto, agoniada, ainda sentada no mesmo lugar onde a Misha pediu para que eu ficasse.

Mas ninguém responde. Alguns minutos depois, sinto-a atrás de mim, suas mãos percorrendo meu corpo e seu hálito quente em meu ouvido. Um arrepio toma conta de mim.

— Não quero que você abra seus olhos ainda — sinto o molhado de sua boca alcançar o lóbulo da minha orelha e uma leve mordiscada enquanto suas mãos continuam explorando meu corpo. — Vai valer a pena, eu juro — e deixa um selinho demorado em minha bochecha.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora