CAPÍTULO 28. Serra

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ERIS

Fazenda, ontem à noite

Na segunda batida, ele me recebeu.

— Pode entrar — a voz grossa de Zeca ecoou pelo cômodo revestido de pedra e madeira.

O escritório dele tem um cheiro robusto e muito característico. Oscila entre café, charuto, papel envelhecido devido às estantes cheias de livros antigos, além de um toque metálico. Metálico demais para o meu gosto.

Não preciso nem dizer o porquê.

— Livros novos? — pergunto, caminhando até o centro do cômodo.

— Livros novos. Esse você vai gostar, eu acho — ele me estende um exemplar de O Homem-Máquina. — Tem um texto daquele camarada que comentei contigo. Se recorda dele?

— O Luiz Alberto? — pergunto.

— Ele mesmo. Acho que você vai gostar. Esse exemplar é seu, comprei um para a Misha também. Acho incrível que vocês duas tenham gostos parecidos para leitura.

Não só para leitura... mas você não precisa saber dessa parte.

— Obrigada, Zeca — pego o livro, mas não consigo ler uma palavra sequer dele. — E como vai Sampa? — resolvo então mudar de assunto.

— A cidade da garoa continua cinza — ele terminou de colocar os livros novos na estante. — Aquela cidade não me traz boas recordações... mas a parte boa é que consegui fechar a parceria com a empresa especializada em Terapia Intensiva — ele disse em um tom despreocupado e caminhou até a bolsa dele, que esta aberta sob a mesa de centro — aproveitei e trouxe isso aqui.

Ele me entregou vários envelopes que parecem ser de exames clínicos.

PACIENTE: JOSÉ SALVADOR

— Pensei que a quadrilha estivesse aqui hoje e a minha cardiologista também — ele diz. — Entregue esses resultados a Haru, por favor. Agora, e as coisas por aqui, ocorreram bem? — ele perguntou.

Tirando o fato de que estou transando com sua filha? Vai bem, obrigada.

Acho que depois de hoje, Haru também vira minha cardiologista.

— Sim, ocorreram — respondo.

— Sua irmã tinha certeza que você voltaria para a cidade no meio da semana. Mas algo me dizia que você ia ficar — ele me olhou por cima dos óculos. — Obrigado por ter ficado e ter feito companhia à minha filha durante esse tempo. Foi importante para mim ter seu apoio. E você sabe como a Misha é importante para mim, não sabe, Eris?

— Eu sei sim. Você já me ajudou demais, Zeca, eu não poderia recusar o seu pedido.

E eu amo minha vida, por mais que não pareça às vezes.

Olhei para os porta-retratos com a equipe antiga dele, vários homens com fardas pretas, intercalados com uma foto da Misha pequenininha e... olha onde estou me metendo.

É, nem tanto amor assim à minha vida.

— Acertou as contas com a sua ex-mulher, Eris? — ele bateu o livro pesado sobre a mesa e acho que algum osso meu saiu do lugar. — Era ela que estava te ligando mais cedo, não era? — me olhou de novo por cima dos óculos.

Mas minha garganta travou.

E ele sabe que ela travou.

— Você sabe que precisa abrir a boca para falar, não sabe? — ele sentou-se na imponente cadeira de couro atrás dele. — Estou vendo daqui que não se acertou com a professora... — abriu uma gaveta. — Sente-se, filha, porque essa conversa vai ser longa — e tirou um objeto dela.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora