CAPÍTULO 6. Vinho

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ERIS

— Estou atrapalhando alguma coisa? — Haru perguntou, fechando a porta, logo após Misha deixar meu quarto o mais rápido que podia depois que a encontrei aqui.

Nem me dou o trabalho de explicar, ela não vai me escutar mesmo.

— Não fode, Haru, não tô boa pra você hoje.

— Ei, calma, foi para quebrar o clima. Que cara é essa?

— A única que eu tenho.

— Está mais azeda que o normal.

Odeio como ela me conhece. Odeio não conseguir esconder as coisas dela. Não demorou muito para que ela sacasse algo entre mim e a Misha depois da noite de formatura da Cat. Haru me colocou no canto e eu acabei falando que Misha era a guria do bar. Ela não ficou nada surpresa porque, como eu já desconfiava, deu para perceber a tensão no ar naquele teatro.

Até aí tudo bem.

Mas minha cara azeda não tem nada a ver com ela. Eu daria muita coisa para que ela fosse o motivo, mas ela não é, e a Haru também sabe disso.

*

Algumas horas antes

I, I'm a little divided
Do I stay or run away
And leave it all behind?

Que garota mais complicada, e olha que eu me achava complicada até conhecer a Misha.

Garota arrogante.

Garota esquisita.

Garotinha antipática.

Eu era a pessoa antipática. 

Ela deveria ser educada, não é ela a tal filha prodígio nerd sei lá das quantas?

Tem muito tempo que algo não afeta, de verdade, a minha vida. Sinto que fui perdendo a capacidade de sentir depois de tudo o que acabou acontecendo. Depois de tantas perdas, o nosso corpo começa a te proteger numa espécie de escudo, e é quase impossível algo passar por essa fortaleza que ele constrói. Vai por mim, por experiência própria, é como um caminho sem volta.

Depois que a minha vida tornou-se essa nebulosa caótica e cinzenta, só uma coisa tocou meu mundo. Essa coisa foi tão potente que, depois dela, meu mundo transformou-se em cinzas. Tudo ficou cinza. E no dia em que ela decidiu ir embora, jurei a mim mesma que nada mais me afetaria. Eu não podia mais perder coisas, já havia perdido demais.

Demais

Depois da Paloma eu jurei para mim mesma que eu seria diferente. Esquece Paloma, porra.

E eu fui. Todo mundo está de prova que eu fui. Até essa maluca aparecer no bar, flertar comigo enquanto assistia futebol, me beijar como se o mundo fosse acabar e sumir, do nada, como se nada tivesse acontecido.

Se fosse em outros tempos, teria agradecido pelo que aconteceu, mas eu só soube sentir o vazio que ela deixou. Tinha muito tempo que não me sentia viva como me senti naquele bar, tinha mesmo muito tempo que não sorria do jeito que sorri olhando para o céu cinzento daquela noite enquanto a multidão do Quimera ainda estava eufórica com o Mundial. Que sensação fodida.

Times like these estrondando nos alto falantes e uma estrada, eu não preciso de mais nada durante esses quatro minutos e vinte e cinco segundos. 

Por quatro minutos e vinte e cinco segundos eu me permito esquecer que dia é hoje.

Por quatro minutos e vinte e cinco segundos eu me permito esquecer que tenho a cabeça estragada.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora