CAPÍTULO 44. (Des)encontros

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ERIS

Manchester - Inglaterra

— Sim, é o edital do programa de residência do Morato Souto, carioca — digo, circundando sua cintura com minha mão e sentindo a barra da calcinha dela. — Existem alguns motivos pelos quais eu demorei a vir para Manchester, e esse é um deles. Eu fiz a prova do Morato Souto, Misha.

Eu fiz a prova do Morato Souto.

A ficha ainda não caiu. Fiz uma prova de residência médica depois de alguns anos de formada. Eu, em um hospital, depois de... os olhos dela.

Misha me olha com uma sutil expressão de surpresa, mas posso sentir que ela está se controlando ao máximo para não demonstrar outra reação. Sinto meu rosto esquentar ainda mais, e posso afirmar com certeza que, devido à euforia e adrenalina da conversa, se não soubesse que estou no Reino Unido, num frio do cacete, nem teria notado a diferença de temperatura. O quarto voltou a ficar completamente quente.

Visualizo a bandeja com o café da manhã, as fotos na parede, nossas roupas no chão, o edital aberto na tela do celular dela, e minha correntinha em seu pescoço.

— Você fez a prova de residência do Morato Souto — ela repete exatamente a mesma frase que eu disse. — Você aceitou ser... médica — mas, agora, seu tom diminui gradualmente até ficar baixinho, tão baixinho que é quase um sussurro.

Então, eu travo.

— Por isso não veio antes? — ela me pergunta no mesmo tom.

— Também. Eu precisava resolver algumas coisas antes, apesar de não ter conseguido fazer tudo — engulo seco, erguendo meu corpo para frente e me ajeitando na cama. — Então resolvi vir assim mesmo, mas eu não queria chegar aqui sem ter feito a prova. Não sei se vou passar, mas

— Ah, Eris, nada de drama nerd agora — ela diz, olha novamente para o celular, bloqueia a tela e, antes que eu perceba, se joga nos meus braços com tudo, me trazendo de volta à realidade. — Nem consigo imaginar a felicidade da Haru ao saber que a duplinha dela estará de volta.

Bom, sobre isso, a Haru ainda não sabe que eu fiz essa prova, mas isso não é assunto para agora.

Seu corpo se choca contra o meu, quase derrubo minha xícara, o cheiro dela me invade, e suas mãos me encontram mais uma vez.

— Estou tão orgulhosa de você — ela sussurra, baixinho, assim que nossos corpos se encaixam em um abraço quase perfeito, se não fosse pelas nossas posições na cama.

Misha se agarra a mim como um filhote, o abraço se intensifica, e eu me permito fechar os olhos. Apenas senti-la, sentir seu cheiro, sua pele, seu toque em mim. Sentir o coração dela batendo forte contra o meu peito, os dedos deslizando suavemente pelas minhas costas nuas, até que um leve som nasal me tira do transe, e eu escuto o primeiro suspiro.

E outro, e mais um.

Calma.

— Você está chorando? — pergunto, sem querer abrir os olhos.

— Não — a voz embargada me confirma que sim, ela está chorando.

A aperto mais forte, a prendendo em mim, enquanto nossa sinfonia preenche todo o cômodo, a energia inglesa e o meu coração.

— Quer dizer, só um pouquinho, mas é um choro feliz — ela diz, ainda nos meus braços.

Aos poucos, nosso abraço se desfaz, e ela volta a me olhar diretamente, com os olhos marejados e um sorriso que vai de orelha a orelha. Acho que nunca vi o sorriso de Misha tão largo. Nem mesmo quando ela está com uma barra de chocolate com café nas mãos.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora