CAPÍTULO 35. Luz dos olhos

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MISHA

Fazenda

Sábado, 21 de janeiro

Dia do casamento do meu pai

— O que adianta ter um elenco de milhões se vocês esquecem de pagar o roteirista? — Ana disse, referindo-se ao time do Flamengo, ao ver mais um gol do Botafogo no primeiro jogo do Campeonato Carioca que estamos assistindo. — Flamenguista é mesmo muito coco de pombo.

— Anti-flamenguista não tem voz aqui, japa — Gabriel estalou a língua para a TV — Para de torcer contra, qual foi? — E voltou a ficar irritado com o jogo. Se há alguém mais flamenguista que meu pai, esse alguém é o Gabriel.

— Vocês estavam chateadas — Ana disse, desfocando a atenção do Gabe e voltando à nossa conversa, ou melhor, ao meu monólogo sobre o que aconteceu na noite passada, enquanto tenta dobrar a sua camisa social pela terceira vez. — Pessoas chateadas falam coisas que não querem, Misha. Converse com ela hoje, sabe, com a cabeça fria...

Mas ela olhou de novo para a própria camisa.

— Como as pessoas dobram camisa social sem amarrotar e ficar parecendo que saiu da boca de um cachorro? — Ela divagou sobre a blusa. — Eu queria usar camisas sociais sem parecer que fui trucidada por um.

— Você só entende mesmo de finalização no jiu-jitsu — eu disse, rindo, puxando-a e dobrando a camisa do jeito que a Eris me ensinou. — Foi infantil, Ana. Nossa conversa ontem foi infantil — então voltei para minha sessão de reclamações.

— Sim, vocês duas foram bem imaturas — disse Gabriel, ainda olhando para a TV, mas atento à nossa conversa, porque ele é o maior fofoqueiro que conheço. — Mas nada que um bom diálogo e uma trepada não resolvam.

— Gabriel, dá para ficar quieto? Você não está ajudando. Mais um pitaco e eu desligo a TV — Ana disse, em um tom bravo.

— Papo reto? Vocês acham mesmo que adultos não têm conversas infantis de vez em quando? Foi a primeira DR delas, japa — Gabriel falou com a maior naturalidade do mundo. — Vocês duas saberiam disso se namorassem, sabia?

— Não foi uma DR — finalizei a blusa. — Foi uma DR? — Mas os dois me olharam balançando a cabeça.

— Você se cobra muito, Misha — disse Ana, olhando para mim com seus olhos pequenininhos e puxadinhos.

— E vocês duas se gostam. A sua tatuada gosta de você, cara — completou Gabriel, voltando a atenção para a TV quando o árbitro marcou mais uma falta contra o Flamengo. — Ah, coé, vai se foder, mano — bufou.

— Se ela gostasse não teria saído daqui ontem do jeito que saiu.

Mas Ana só respirou fundo e me olhou, enquanto Gabriel, como sempre, me acalma das formas mais aleatórias não me permitindo reclamar sobre coisas básicas da vida.

— Já considerou que talvez ela tenha saído exatamente por gostar de você e não estar sabendo lidar com o fato de que amanhã, a essa hora, você já estará em um avião indo para a Inglaterra, mano? Até porque, não foi ela que..

Mas a Ana o olhou em um tom de reprovação e ele cala a boca instantaneamente.

— Chega de falar da Eris, vá descobrir se o seu pai está vivo porque ele ainda não saiu daquele escritório — Ana me empurra — e você, Gabriel Barbosa Quaresma, vá se arrumar logo. Desiste, vocês não vão ganhar do Botafogo, que pena... — e abre um sorriso.

*

— Posso entrar? — pergunto, abrindo a porta do escritório do meu pai, encontrando-o sozinho com os olhos marejados, segurando um... aquilo é um retrato meu, dele e da mamãe?

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora