MISHA
Manchester - Inglaterra
Outono, sexta-feira à noite
O vento gelado assola o meu corpo, chicoteando meu rosto de uma forma nada simpática enquanto caminho a passos lentos, tentando reter o máximo de calor dentro do meu casaco. Bom, pelo menos é o que eu estou tentando. Minhas mãos estão enfiadas nos bolsos, meu pescoço tentando ficar quentinho protegido pelo cachecol, enquanto sinto o frio quase congelando cada parte exposta do meu rosto.
Por que a dona do meu The Sims ainda não me acostumou com o frio dessa cidade? Cara, eu detesto frio.
E detesto ainda mais o frio daqui.
Foco nas vitrines das lojas, que já modificaram suas fachadas com as cores típicas desta época do ano, tentando esquecer a sensação de virar um picolé humano enquanto faço ziguezague entre as poças de água espalhadas pela calçada.
Não dá muito certo. Mas, bom, encarar as vitrines me faz tomar consciência de como o tempo passa e a gente não percebe... porque, cara, o tempo passa muito, muito rápido. Parece que foi ontem que cheguei aqui e hoje já é... Até que passo em frente a um bistrô e uma sensação nostálgica me abraça. Foi o primeiro bistrô que conheci aqui e, bem, na situação mais sui generis que poderia ter sido, porque... não vem ao caso agora.
O fato é que, durante este tempo aqui, eu já colecionei muitas experiências incríveis. Foi somente aqui que consegui refletir sobre o quanto se fala quão maravilhoso é morar fora. O imaginário de ser uma estudante internacional... e...
Mas ninguém te diz como é difícil para caramba também. Sair do seu país, da sua terra, da sua língua materna, do seu calor. Ninguém te diz que você vai acordar num frio do caramba, que muitas vezes não vai querer sair da cama porque o céu ainda vai parecer noite e que você vai acabar chorando (algumas várias vezes) no banheiro do Instituto por não entender muito bem a explicação de um professor, pelo nervosismo de um primeiro seminário ou por se sentir... intrusa.
Sentir-se deslocada.
Acho que essa é uma das piores sensações que podemos ter aqui fora.
E eu nem estou considerando os olhares tortos que, vez ou outra, surgem. A maioria das pessoas daqui recebe muito bem os estudantes estrangeiros, pois esta é uma cidade que respira muitas culturas, o que é bom, se a gente parar para analisar. Mas, mesmo assim, sabemos que nem tudo na vida são flores e que o mundo ainda possui um lado feio, muito feio.
E o que fazemos quando encontramos o lado feio da vida? Alguns ignoram esse lado, viram a face, mudam de calçada ou jogam debaixo do tapete. É fácil fechar os olhos para o feio. É muito fácil. Difícil é olhar para o feio e, bom... algumas pessoas escolhem mudar a perspectiva, a ótica, o ângulo, as lentes, para possibilitar outras leituras do mundo, não sei como você prefere chamar isso. Tentam entendê-lo de alguma forma.
Meu tempo aqui foi literalmente baseado nisso: olhar o feio e equilibrar aquilo que tenho capacidade de lidar. E o resto? O resto eu estou mandando para a casa do caralho.
— Porra, Misha, você prometeu para si mesma que ia parar de xingar, foda — falo, de novo, alto.
É, eu falo bastante sozinha aqui. Ainda mais em português, quase ninguém entende mesmo.
Mas, voltando à minha divagação, meu tempo aqui foi literalmente baseado em equilibrar aquilo que tenho capacidade de lidar e mandar para a casa da mãe Joana o que não consigo. Acabei aplicando isso na minha vida acadêmica, e, bom, deu muito certo para mim. Também comecei a fazer isso na minha relação com meu pai e minha mãe, com meus amigos, com a saudade de casa, com minhas angústias... e com ela.
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ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICO
RomanceCONTEÚDO ADULTO +18 | HISTÓRIA ORIGINAL O que acontece quando dois universos completamente diferentes colidem? Uma explosão, correto? Correto. Mas antes da poeira e o cheiro de queimado aparecerem, o caos nos faz uma visita e bagunça tudo. Foi as...