CAPÍTULO 36. Herrera 1

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ERIS DE MORI HERRERA

Cidade da Garoa

24 de dezembro, 5 anos atrás

Golpeio, alternadamente, uma, duas, três vezes o saco de areia à minha frente. No quarto golpe me desequilibro. Minhas pernas fraquejam e finalmente aceito ser vencida pelo cansaço das ininterruptas 27 horas acordada, caindo no tatame abaixo de mim.

— UOU — uma voz estridente entra nos meus tímpanos, me despertando do quase transe — pensei que você não fosse parar de socar nosso amigo aí — a guria sentada na outra ponta do salão, bem perto da porta, mexe no celular.

Eu não percebi quando chegou e não faço ideia de quanto tempo está aqui me assistindo esfolar os nós das minhas mãos.

— O quê? — falo tirando um dos fones do ouvido.

— Cara... não quero nem perguntar o que aconteceu com você — não tiro os meus olhos do teto — problemas com o seu velho?

A Haru sabe muito bem que sim.

Por qual outro motivo eu estaria aqui, no salão de convivência dos residentes, na noite de natal, se não fosse por alguma briga com o meu pai?

A verdade é que eu só queria fazer algo por mim, ao menos uma vez na vida, eu só queria fazer algo que eu enxergasse sentido. Mas eu não seria filha de quem sou se eu tivesse uma coisa chamada: livre arbítrio.

Encaro a guria de cabelo roxo e penso em desabafar o problema da vez, mas logo desisto.

Não vale a pena.

Nunca vale.

— Vocês — um acadêmico com um pijama como o nosso aponta o dedo para nós duas — a chefe tá chamando todo mundo lá embaixo, e já adianto que a cara dela não tá bonita não — o menino ajustou os óculos e saiu pela mesma porta que encontrou.

Rapidamente, levantei do tatame e comecei a vestir a blusa do pijama cirúrgico azul marinho que estava caída ao lado do saco de areia.

— Vê se melhora essa cara, caralho.

— É a única que eu tenho — respondi, forçando um sorriso.

— Então eu vou te jogar no décimo andar pro Garrido ajeitar essa sua fuça emburrada.

— Perda de tempo.

— Quer apostar?

— E o que eu ganho com isso? — arqueei uma sobrancelha enquanto ela começou a esboçar um sorriso.

— Além de uma harmonização facial? Deixo você escolher o bar que iremos depois desse inferno de plantão.

O sorriso largo e malicioso que joga para mim, me causa o primeiro sorriso sincero desde que cheguei aqui... anteontem? Continuo encarando os fios roxos de seu cabelo, o cabelo da garota que mais me conhece na vida há exatos 21 anos de existência.

Talvez ela me conheça mais que o fodido do meu pai.

Com certeza mais que o fodido do meu pai.

Existem duas verdades que não te contam quando você entra na faculdade de medicina.

A primeira: é muito mais comum passar o natal em um plantão do que você imagina. Depois de um certo tempo isso nem te abala mais.

A segunda: nunca será um plantão comum. Aparentemente, tudo pode mesmo acontecer na noite de natal.

Pessoas vestidas de elfos e esfaqueadas: natal do ano passado.

Uma explosão numa boate: natal do ano retrasado, meu primeiro plantão natalino.

ANTES QUE ELA VÁ EMBORA | ROMANCE LÉSBICOOnde histórias criam vida. Descubra agora