77. Monstro

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Essa era a triste verdade: Peter só esteve lá pela adaga.

O coração da Dark One doía em desilusão, enquanto suas suspeitas se concretizavam. Por que doeria, afinal? Não devia. Estava calejado, cicatrizado, castigado... Após dias e dias de mentiras nas mãos daquele que amou como jamais amou ninguém, não era de se surpreender que chegasse a esse ponto. Se ele soubesse, ao menos um pouco, o quanto esse sofrimento a mudou... ele nunca teria coragem de machucá-la de novo, como estava fazendo.

Peter abaixou o punhal. Grace estava frente a ele, um encarava o outro. Apenas o som oscilante de suas respirações conduzindo o clima denso que atingia o ambiente. O menino tentava aceitar o fato de que aquela maldita adaga não era a certa. Pelo jeito, suas manipulações pareciam não surtir mais efeito.

- É assim que você prova seu amor, Peter? - perguntou ela. Embora sua expressão fosse rígida, a voz saiu afável.

Ele sorriu forçado, claramente surpreso. Permaneceu calado e seu rosto voltou-se para a seriedade. Negou com a cabeça.

- Você só veio pegar a adaga. - Grace prosseguiu, sendo que ele continuava em silêncio.

- Como você desconfiou... - assumiu num suspiro, por fim.

Ela estava péssima. E ele se importava? De certo que não... Para Peter Pan, tanto faz. Se ela estava triste, ferida. Ele só pensava nele, na sua soberania, na sua chance de se reerguer, de se provar superior a tudo e todos. Pois, no fundo, ele não era apto a reconhecer. Por mais que tivesse conhecimento de magia, dons, poderes. Por mais que provasse das melhores e piores experiências. Seu discernimento de sentimentos era ralo. O coração negro dentro do peito era insuficiente para reconhecer o quanto cada sacrifício de Grace significava. Mesmo depois de deitar-se com Peter e Alex, mesmo após ter realizado sua fantasia, encontrar-se plena na companhia dos dois, tendo um breve momento de paz... Se deixou levar pelo pensamento de que estava tudo bem. Não... Nunca nada estaria bem. Não enquanto Peter estivesse vivo. Ela pensou em Felix, seu pequeno e amado Felix, separado da mãe. Por culpa daquele monstro. Era por isso que a Dark One precisava matá-lo, e o faria.

- Monstro! - ela exclamou, com ódio.

Alex se moveu na cama com o grito, despertando. Peter desviou os olhos, por um segundo, ao ver o outro acordar. A tensão era sufocante. Prendeu a respiração e elevou a mão, pronto para atacá-la. Mas ela foi mais rápida.

Grace levantou a mão antes e Peter voou longe. A adaga falsa caiu e o corpo do jovem atravessou o cômodo, indo de encontro com a parede oposta. Suas costas colidiram e ele soltou um grito urrado involuntário. Ela segurou o peso dele no ar. Focou a punição diretamente no pescoço. Torceu os dedos que estavam tesos, como se o trucidasse. Peter engasgou, com os pés distantes do chão. Sentiu a energia oculta esmagando sua traqueia, sufocando o oxigênio, travando o sangue na cabeça. Tentou falar, mas a voz sumiu e seus músculos se esticaram atrofiados.

Grace estava prestes a aniquilá-lo. Há poucos minutos atrás se via nas nuvens, e agora... Tudo ruía. Esqueceu da nudez, dos momentos de êxtase vividos recentemente. Seus pensamentos foram tomados por escuridão.

- G-Grace... - tentou chamá-la, num leve espasmo, unido à parede, quase perto do teto.

- Traidor! - exclamou ela, de pupilas dilatadas. - Você é traidor, sempre vai ser! Achou que fosse me enganar dessa vez, Peter Pan?? Mesmo... - soluçou e aspirou entredentes. - ... mesmo depois do que vivemos nessa cama, o maior contato que já tive na minha vida com você e com Alex, e foi só pra pegar a adaga! - gritava a cada fôlego com mais fúria.

- V-você... Você não devia tá surpresa... - rebateu, forçando as sílabas roucas e engasgadas. - ... Você fez a a-adaga falsa porque já sabia, Grace... então por que tá tão nervosa?? Ahn?? Você disse que me conhece melhor que você mesma... E você tá certa.

Dark Paradise || Peter Pan • OUATOnde histórias criam vida. Descubra agora