20. O Coração de Grace

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Aquele era um dos dias mais quentes em Neverland. O Sol atingia a terra fazendo subir pela floresta um aroma doce de flores silvestres. Os pássaros passavam voando e cantavam a plenos pulmões. Mesmo após algum tempo, Grace estava debaixo da Árvore de Pensar, experimentando esses detalhes da manhã ensolarada sem nenhuma disposição para apreciar.

Deveria ter se levantado, mas mal conseguia se mexer. Não era apenas a dor física, como também a canseira emocional. O cheiro enjoativo dos frutos caídos no terreno começou a embrulhar seu estômago. Decidiu que era hora de se retirar. Apoiou no tronco da árvore com uma mão e com a outra segurou a capa que Peter havia jogado sobre ela há algumas horas atrás, prendendo perto do pescoço.

Atravessou a floresta. Seguia o caminho estreito em direção à cascata de água que costumava tomar banho. Era longe andando e Grace tinha tempo de sobra. Suas pernas estavam fracas, sentia-se debilitada em todos os aspectos.

Um som de farfalhar de asas podia ser ouvido a perseguindo. Várias vezes ela parou e olhou confusa em meio as raízes altas que retorciam feito um polvo gigantesco, e via algo semelhante a um brilho avermelhado. Como estava cansada demais pra investigar, preferia ignorar.

Rumou pela trilha, subindo morros e descendo barrancos, passando pelos largos arbustos espinhosos, dando de cara com plantas selvagens e pisando descalça na terra. Mal aguentava consigo mesma, era indiferente.

Finalmente chegou à lacuna íngreme que antecedia a cachoeira. Aliviada, apressou os passos para chegar na beira do lago e abaixar-se pra tomar a água com as mãos, saciando sua sede. Desde que esteve no labirinto, não teve chance de beber água pura.

Retirou a capa e arrancou o resto do vestido vermelho, nadando em direção à cascata. Ficou um bom tempo se lavando, tirando a sujeira de terra. Seu corpo estava marcado pelos cipós, algumas partes tinham cortes e sangue seco.

Quando lavou o pescoço, sentiu uma dor suave no pequeno corte que Peter causou com a adaga. Veio em sua mente a sensação dos beijos e chupões que ele aplicou ali. Grace se concentrou, se esforçando o máximo pra afastar esses pensamentos.

Ele mexia com ela de um jeito tão poderoso e incontrolável que chegava a ser ridículo. Não aguentava. Foi manipulada, atormentada e dilacerada sentimentalmente, psicologicamente e fisicamente. O ódio a detonava. Tomou uma decisão, afinal. Não podia se matar, ele curou a sua tendência suicida. Porém, ela podia fazer outra coisa, que era tão radical quanto, e com certeza acabaria de vez com seu martírio.

Após terminar o banho, retirou-se do lago e encontrou sobre uma pedra um vestido. Quem teria deixado ali? Seria Peter ou aquela criatura que o acompanhava, a tal da Sombra? De qualquer maneira serviu perfeitamente, e lhe agradou muito o favor afinal não podia ficar nua. Era um vestido até os joelhos, de tecido suave.

Queria descansar, deitar ouvindo o som do mar e dormir o máximo, esquecer o que passou e fingir que Peter não existia. Partiu andando para sua casinha na praia. Chegou, fechou a porta e se jogou sobre o amontoado de colchas campestres e cobertores macios que formavam a cama. Adormeceu exausta.

(...)

Grace estava no meio da floresta. O céu carregado de nuvens acobreadas jogava sobre ela uma iluminação sombria. Peter estava bem à sua frente. Ele segurava em mãos o coração dela, quente, pingando sangue, pulsando. Os batimentos do coração ecoavam amplamente para o alto, estremecendo as copas. Ela o olhava com a respiração dura e rápida, e Peter a encarava de volta com os olhos vidrados. Ela abaixou a cabeça e viu seu tórax aberto, com um buraco.

(...)

A garota acordou de súbito, encharcada de suor, e se sentou na cama em pânico. O restante de um grito saia de sua garganta. Olhou pra si mesma e viu seu tórax intacto. Procurou se acalmar, ouvindo o fluxo de seu sangue. Ficou parada com uma sensação bizarra.

Dark Paradise || Peter Pan • OUATOnde histórias criam vida. Descubra agora