79. We don't have any kings in Neverland. Just me.

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Alex saiu dali, ignorando a fome, envergonhado pela sua incapacidade de defesa. Não iria pra junto dos novos Garotos Perdidos e não toleraria a presença de Peter Pan. Estava no limite, seu coração, energias e força de vontade findavam drasticamente. Renunciava as tentativas difíceis de vencer, por mais que tentasse, em Neverland somente se via fadado à derrota.

Com o estômago roncando,  enfiou-se na mata selvagem e buscou por árvores frutíferas. Logo encontrou, afinal, a ilha estava rica devido a  influência da metade do Coração Crédulo em seu peito.

Perguntava-se onde estaria Grace. Daria um jeito de protegê-la, era esse o combinado desde sempre. Mas antes precisava se restabelecer. Apanhou maçãs e se resguardou numa gruta há metros de distância da praia. Longe o bastante pra ele não ouvir mais o barulho de tambores dos outros meninos que festejavam. A gruta não era tão fria, sendo que uma nascente de águas termais corriam pela área, aquecendo os ares com nebulosos vapores brancos.  Alex arrancou a camiseta preta e rasgou. Usou uma faixa pra amarrar na cabeça, estancando o sangue da ferida. A faixa ficou à testa e o cabelo caído à frente, dando uma aparência meio bravia e rebelde.

Passou a noite tentando suportar o acúmulo desconfortante de dores, a persistente fome, pesadelos medonhos e o descompasso do coração teimando numa angústia bem conhecida, angústia essa que refletia insegurança, medo. Algo intrincado no peito. Acordou antes de o dia nascer.

Não dava pra aguentar a fome, as frutas não foram o bastante. Encontrou um toco de galho firme e de ponta afiada, que seria usado pra fincar em algum peixe. Saiu pela floresta, em direção ao litoral, sem camisa, com a calça jeans preta surrada cintura baixa, e o coturno preso por sobre o tecido.

No caminho, ouviu vozes. Eram tons juvenis, de duas pessoas conversando. Alex mudou de percurso para verificar, desceu uma ribanceira e deu de cara com dois meninos numa pequena clareira. Estavam discutindo sem se alterar, em volta de um animal morto, de forma que não o notaram.

Manteve-se calado, apenas assistindo, por detrás de um alto e largo arbusto. Os outros dois meninos eram bastante parecidos, ambos de pele branca e intensos olhos azuis, cabelos escuros. Um deles era maior, alto e magro, de rosto fino. Um vestígio de timidez pairava sua fisionomia, algo que Alex reparou com clareza. O menor não devia ter mais que quinze anos. Usava óculos grandes de armação preta e ele lacrimejava com certo pavor para o bicho jazido à seus pés.

- Pan disse que é só imaginar que a gente consegue comida. Não precisava matar esse javali! - exclamou ele.

- Não é comida de verdade. Eu comi uns dez pedaços de bolo e minha fome continua. - rebateu o outro.

- Prefiro comer bolo imaginário do que matar um bicho assim... Não é justo... Acho que ele era filhote.

- Sabe o que não é justo? A gente passar fome.

O mais jovem revirou os olhos em desagrado e sua visão focou rapidamente uma presença diferente. Era Alex, que os observava. O garoto parou e sorriu espontâneo.

-  Você é novo aqui??

Alex saiu de trás do arbusto e se adiantou para junto dos dois. Olharam-se curiosos, sendo que nunca haviam se encontrado antes.

- Não exatamente. - respondeu Alex, bastante sério.

- Eu sou Jacques Chantal. - apresentou-se o menor, de óculos. - ...E esse é meu irmão, Oliver Chantal.

Oliver, o maior, apenas meneou a cabeça num comprimento discreto.

- Eu sou Alex.

- Isso é sangue?? Você se machucou?? - perguntou Jacques. Seus olhos, que antes lacrimejavam por causa do animal, se voltaram pra uma expressão de susto.

Dark Paradise || Peter Pan • OUATOnde histórias criam vida. Descubra agora