QUERIDO DESCONHECIDO

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ALERTA GATILHO ⚠️
Se você é sensível a conteúdos relacionados a depressão, ansiedade, tentativa de suicídio, recomendo que não leia!

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ANTHONY

Depois de mais uma noite perfeita, no caminho de casa Sophia pediu pra pararmos numa banquinha de churros, comprei vários de sabores diferentes e levei para o carro, pois tinha começado a chover

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Depois de mais uma noite perfeita, no caminho de casa Sophia pediu pra pararmos numa banquinha de churros, comprei vários de sabores diferentes e levei para o carro, pois tinha começado a chover.

- A gente come em casa, pode ser? - perguntei e ela assentiu.

Coloquei a sacolinha no banco de trás, e voltei a dirigir. Quando chegamos a chuva ainda estava forte, Sophia desceu primeiro para abrir a porta de casa e eu peguei Cecília no colo, que já estava quase dormindo. Corri e a levei até seu quarto.

- Esqueci os churros no carro! Você pode ir levando ela para o banho enquanto vou lá buscar? - Perguntei a Sophia que me acompanhou até o quarto da Ceci.

- Claro, não se preocupe. Vamos acordar mocinha?

- Não quero, mamãe. Quero dormir.

- Mas vai ser rapidinho meu anjo, não pode dormir como um cascão. Vem, vai ser rápido!

Sai do quarto rindo, deixando as duas discutindo sobre o banho e corri até o carro, ainda chovia muito, abri a porta para pegar a sacola com os churros mas vi que ela acabou caindo quando peguei Cecília, me estiquei um pouco mais pra alcançar, já que ela caiu quase embaixo do banco da frente, que era o do motorista. Quando a alcancei um envelope azul me chamou atenção, ele estava embaixo do banco. O que era aquilo?
Sentei no banco e fechei a porta por conta da chuva que já estava molhando por dentro,  peguei o envelope e vi escrito um nome tão conhecido por mim.

"DE: SOPHIA MILLER"

Pra quem ela havia destinado aquilo?
Abri o envelope e tirei um papel de dentro. Era uma carta escrita à mão, frente e verso.
Comecei a ler e por um momento esqueci como respirava.

"Querido desconhecido,

Meu nome é Sophia, ou melhor ERA.
Se você está lendo essa carta é porque foi o infeliz escolhido em meio a tantas pessoas naquela avenida para me auxiliar na missão de dar fim a minha vida.
Então antes de tudo, peço que você não se sinta culpado. Você foi só um peão nisso tudo. Desculpe-me por te meter no meio dessa confusão.
Você deve se perguntar porque eu não pulei do último andar de algum prédio, não coloquei uma corda no pescoço ou simplesmente não cortei os meus pulsos. Eu poderia ter feito isso, mas existem pessoas que eram muito importantes pra mim e eu não suportaria a ideia de que elas pensassem que morri como uma covarde. Que não fui forte o suficiente para levantar mais um dia pra correr atrás da tal felicidade. Então se possível, mostre essa carta somente pra quem realmente for necessário para que você não tenha nenhum tipo de condenação. Até porque eu teria me jogado na frente de qualquer outro carro caso o seu não estivesse ali.
O que me levou a fazer isso? Você deve estar se perguntando também. A verdade é que há muito tempo não me sentia realmente viva. Meu corpo e todos os órgãos funcionavam, mas minha mente e minha alma pareciam danificadas, quase mortas.
Começou quando perdi o meu pai, eu acho. A Sophia alegre e sorridente começou a ficar sozinha no quarto, sair de casa já não era mais interessante. Uma parte de mim se foi junto com ele, mas ninguém percebeu.
Apesar disso tentei viver, me mudei, estudei e me formei. Ainda na faculdade conheci alguém que era o cara mais legal do mundo, até não ser mais. Ele fazia questão de dizer que me amava e logo em seguida me fazia sentir o pior ser humano da terra, com uma mão ele me apresentava o céu e com a outra me levava ao inferno. Eu sabia que aquilo estava fadado ao fracasso. Eu estava fadada ao fracasso. Então minha rotina se repetia todos os dias, acordar cedo, ir trabalhar em um emprego que pagava minhas contas, voltava pra casa e o esperava pra saber qual o humor que ele teria naquele dia, como eu seria tratada naquele dia.
Até que um serzinho se formou no meu ventre e eu explodi em sentimentos, todos os sentimentos possíveis que você possa imaginar. Medo, alegria, euforia, desespero, amor. Ah sim! Amor foi o maior dos sentimentos.
Me agarrei aquela criança com todas as minhas forças, senti o ar voltar para os meus pulmões e o sangue voltar a percorrer pelo meu corpo, tudo por ela. Me senti viva depois de tantos anos, sabe? Mas não durou muito, assim que contei sobre o bebê para aquele cara não tão legal, ele rejeitou a ideia e com um ato de crueldade me fez perder a única coisa que me mantinha viva. Então ele foi embora, me deixando sozinha com minha dor e meu luto.
Tentei sobreviver ao mês seguinte, mas já estava insuportável ter que levantar todos os dias. Era um esforço gigantesco que eu já não conseguia suportar. Tinha a sensação de que nenhum lugar no mundo era seguro depois do ventre da minha mãe.
Meu olhar pedia socorro, mas ninguém via. Meu silêncio gritava por ajuda, mas ninguém ouvia. Minha solidão implorava por companhia, mas ninguém ficava tempo suficiente.
Então pedi demissão do trabalho, arrumei meu apartamento pra que minha mãe o encontrasse arrumado e pudesse vendê-lo mais fácil (a chave está na minha bolsa caso ela não encontre) e então chorei pela última chorei.
Eu já tinha chorado várias vezes antes. mas não como essa última vez. Não desse jeito. Não dessa forma incontrolável. Não sem parar.
Mas eu acho que eu não queria parar. Enquanto eu chorava eu sentia tudo aquilo indo embora. O engasgo. O nó na garganta. O choro engolido. O gosto amargo. Tudo estava saindo por lágrimas imparáveis que rolavam do meu olho ao meu pescoço, sem cessar. E então senti o vazio novamente. Sabia que era hora de desistir. E foi o que eu fiz.
Foi isso, querido desconhecido! Peço perdão a você mais uma vez por ter te envolvido nisso. Desejo que você seja feliz, que tenha uma boa vida e que encontre aquilo que eu tanto desejei.
Com carinho, a mulher que se jogou na frente do seu carro!

                     Shopia Miller, 26 anos."

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