Capítulo 3

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Ninho da Águia, Hindu Kush. Início de 2000.

— De novo!

A voz poderosa ecoou no saguão de treinamento dentro de uma fortaleza no sopé de uma das cordilheiras mais famosas do mundo. O treinador carrancudo não ligou para a garota que foi arremessada para longe no chão de madeira.

Seu oponente, um rapaz de quase dois metros de altura, riu de canto de boca e coçou a ponta do nariz ao vê-la se levantando com dificuldades. O chute na boca do estômago lhe deixou ofegante e precisou de muita força de vontade para voltar a ficar de pé, na posição inicial.

— Eu nunca vou vencer assim — arfou.

Olhando o combate entre os dois alunos, o mestre a circundou com passos pesados e lhe deu uma rasteira. Ela voltou a beijar o chão.

— Com essa mentalidade, não mesmo.

Massageou a parte de trás do joelho com um gemido de dor. O garoto imponente, que não era nem desagradável aos olhos nem atraente, sorriu maliciosamente em um deboche velado ao vê-la sendo punida pelo mestre. Era fácil ser arrogante quando o desgraçado era uma máquina do primor físico

Ignorou o cara e encarou o treinador.

— Eu não tenho e nunca terei o seu físico, os chutes dele são fortes demais...

— Na rua não existe ringue. — O treinador voltou para a posição onde estava. — Uma mulher vencerá um homem usando as regras das artes marciais apenas se for mais capaz e habilidosa. Caso contrário, você sempre terá desvantagem.

Ela se levantou e ajustou a postura.

— Somos assassinos. Somos a Espada de Dâmocles que repousa sobre a cabeça dos líderes. Somos os executores dos deuses.

Sob as palavras do mestre, o rapaz ficou sério, desfazendo o rosto prepotente. Os olhos alongados só viam a menina de cabelos ondulados.

— Usamos de todo nosso arsenal. Desde a perseverança até a trapaça.

Ela controlou a respiração. Recordou os ensinamentos e tentou ignorar a própria dor. Preparou-se para a segunda tentativa.

— Para levantar bem rápido após aquele chute do Daniel... — O treinador sorriu, encerrando a lição. — Você é especial, al-Shishani.

A altura e presença dominante de Daniel eram suas melhores armas. Ela também era alta para uma menina e sua compleição física era até bem desenvolvida para a idade. Mas quem não tinha beleza dentro dos corredores daquela fortaleza?

Houve diversas trocas de socos e chutes. Daniel usava e abusava do alcance, principalmente das longas e poderosas pernas. Ela se esquivou duas vezes, mas na terceira uma rasteira a pegou de jeito.

O maldito a acertou onde seu mestre a havia derrubado, fazendo uma dor intensa percorrer todo o corpo. Depois, veio mais um chute frontal e o baque das costas no chão de madeira.

Ela cuspiu um pouco de saliva. Daniel era uma verdadeira máquina, um exterminador mirim em formação.

Sem conseguir respirar, ela revirou os olhos e viu os lustres decorando o teto do salão de treinamento. Eram quantas luzes? Seis? Dez? Não sabia ao certo. Ao se virar e ficar de quatro, também viu dois Daniéis.

Respirou fundo algumas vezes antes de se erguer com dificuldade.

O treinamento naquela fortaleza era bem diferente dos centros de artes marciais comuns. Não havia proteção. Os homens treinavam apenas com uma calça jogger. As mulheres, de leggings e top. Nas ruas, não existiam os gi, dobok ou qualquer outra roupa de arte marcial.

O ChacalOnde histórias criam vida. Descubra agora