Os túneis abaixo da capital londrina deixaram Lestrade boquiaberto. Era admirável ver aquele labirinto, formado por um complexo sistema de bunkers e uma malha ferroviária que se interconectavam. O sistema de túneis era datado da Segunda Guerra Mundial, segundo o pôster gasto e rasgado que viu em um dos túneis.
O percurso por esta rota obscura lhe fez respeitar ainda mais a cidade.
Ora estreito, a ponto de raspar a bochecha no concreto, ora largo, a ponto de assobiar ao sentir o esplendor de antigas estações, ele se sentiu tranquilo. Sem perseguições implacáveis, sem gritarias, sem a mira de um revólver sob sua cabeça.
Apenas os guinchos agudo dos ratos e as vibrações dos trilhos irrompiam o gostoso silêncio. Além dos espirros irritantes: cansou de contar as vezes que fungou e esfregou a ponta do nariz antes das crises. Passaria em uma farmácia antes de tudo.
Viver na Londres Abaixo seria uma maravilha, se ele não tivesse acostumado com as coisas mais finas da vida ou temesse pegar leptospirose. Fugir de Chacal apenas para morrer doente e sem ninguém a seu lado seria anticlimático, para não dizer irônico.
Seguiu as instruções de Raheem à risca. Evitou as poças — sabe-se lá de onde vieram — e correu rente às linhas férreas até atingir corredores tingidos de vermelho. A tinta estava seca e falhada, mas bastou erguer a lanterna do celular para ver a placa de proibido.
Ele riu. Era difícil alguém que chegou até ali escutar tais avisos. Ajeitou a alça da mochila e continuou sua viagem.
Pegou a bifurcação e encontrou uma porta eletrônica travada. Alargou o sorriso e agradeceu por finalmente usar seu novo brinquedinho. Rudolf o adorava, mas Lestrade jamais usou a própria criação fora do quarto. Recebia relatórios maravilhosos, mas pessoalmente seria a primeira vez.
Seu decodificador portátil agiu como uma maravilha. Escutar o velho e bom click, a porta rangendo para fora e autorizando a entrada soou como música aos seus ouvidos. Guardou os materiais, fechou suas coisas, pôs a mochila novamente nas costas e seguiu o barulho dos trens e das conversas.
Aproveitou o tempo para pensar novamente no ataque a Dragon's Breath. Nada lhe tirava da cabeça que algo estava errado. Claro, o ataque era um indício, mas por que agora? O que mudou? Trincou os dentes.
Informação, nesse caso, seria vida ou morte.
O relógio marcava seis da manhã. Se corresse e tivesse sorte, pegaria alguns trabalhadores na troca de turno, pois certamente eles teriam perguntas sobre sua presença em uma área proibida.
A calmaria que sentiu nas entranhas da cidade deu lugar à adrenalina, ao velho sentimento de luta ou fuga. O coração pulsante, sairia pela boca. A ansiedade voltou a atingir níveis altos e todos os sons pareciam ensurdecedores.
Não sabia se era o sono, um ataque de pânico, ou tudo junto e misturado.
Acalme-se, Les, você não é o Coragem, o Cão Covarde.
Lembrou dos exercícios de respiração, do controle, relaxamento. Difícil, sim, mas não impossível.
Aquele cantinho escuro nunca lhe agradou tanto como agora.
Virou a cabeça para o lado e viu dois trabalhadores descerem as escadarias. Passaram tão perto dele que não acreditou quando eles não o viram. Estava tão imerso nas sombras assim? O barulho de uma porta se abrindo lhe deu permissão para escapar sem ser visto.
Esgueirou-se pelos corredores das máquinas, esperou mais trabalhadores saírem de suas zonas e abriu a porta de serviço para uma das plataformas. Havia um profissional uniformizado, e ele estava olhando a parceira ir ao banheiro. Seu anseio era evidente, estampado no rosto.
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O Chacal
AksiChacal. Ele é um mestre do disfarce, uma lenda temida pela polícia que causa arrepios até nos melhores espiões. Ele jamais deixou um alvo viver. Exceto Lestrade. Lestrade di Laurenti estava no lugar errado, na hora errada. Não era para ele presencia...