Cobertura de Lior Romanov. Londres, Inglaterra. 2012.
A chegada ao hotel foi difícil. Tanto pelo fuso horário quanto pelo impacto emocional de participar de dois enterros. Embora tudo fosse cruel demais para seu coração, tinha um senso de responsabilidade para aqueles que um dia lhe quiseram bem. Seja uma atriz e cantora, seja um tio errático e excêntrico, envolto em cruéis manipulações.
Lior bocejou enquanto conversou simpaticamente com a recepcionista e se aconchegou um pouco no casaco. Talvez o tempo no Brasil o deixara bastante desacostumado com o frio londrino. Ou era os calafrios causados pelas fortes emoções dos últimos dias. Os óculos escuros escondiam a vermelhidão dos olhos.
Queria que fizesse algo para tapar o vazio de seu coração. Agradecendo a recepcionista por lhe entregar a chave deixada por ele ali, dirigiu-se ao elevador pensando na imagem da mãe de Angélica chorando e de como a culpa ameaçava partir o coração em mil pedaços.
Eles também agradeceram ao príncipe pela ajuda dada ao translado do corpo, mas ele não merecia aquela bondade. Se sentiria mais à vontade se eles o amaldiçoassem, o lançassem as profundezas infernais. Bondade doía. O que adiantava títulos se eles não vinham com a certeza de uma proteção irresoluta?
A ida a São Paulo também lhe trouxe certas memórias e a diferença no tratamento dado aos entes queridos. O velório do tio foi bem mais protocolar, cheio de regras. Não houve choros, emoções transmitidas, nada. Até alguns primos faltaram, cujas ausências foram notadas e certamente eles ouviriam bastante caso fossem a Westminster.
Lior se dizia rebelde, mas não era tão rebelde assim.
Ao entrar no elevador, quase não reparou na chegada de uma alta mulher em uma jaqueta de couro carregando uma bolsa marinheira sobre os ombros. O boné preto escondia parte de suas feições. Aliás, estava tão distraído com os pensamentos que se não fosse a bolsa roçando um pouco na manga de seu casaco não repararia que haveria alguém com ele.
— Qual andar? — Perguntou sem demora, levando os alongados dedos para os botões do elevador.
— O mesmo do seu. — Com o queixo, ela mostrou o andar que ele tinha apertado.
A voz dela era doce, um pouco suave, digna de uma cantora. Bem, talvez até fosse uma artista tentando se esconder dos paparazzis. Lembrou de seu amigo Tristan e dos dois lados do glamour e da fama. Balançando a cabeça em negação, retirou seu celular e digitou uma mensagem. Queria conversar com um amigo e todos os mais próximos da sua agenda estavam longe.
Ou mortos.
Brindaria pela memória de Angélica. Jogaria tudo o que descobriu de seu tio por Villeneuve para o lixo e viveria sua vida dando orgulho a amiga. Ela seria a primeira a reclamar, a dizer que os ricos e poderosos não deveriam controlar os menos abastados. Incitaria discursos calorosos e até daria socos se ele, Ignácio, Stella ou Lestrade fizessem algo diferente.
Ela era o ponto moral do AltF4. No meio daquele insano internato feito apenas para os filhos das pessoas mais ricas do planeta, a bolsista oriunda das favelas do Brasil possuía maior integridade que os vãos e mesquinhos membros da St. Trevelyan.
Saindo do elevador, ele checou um pouco das redes sociais e guardou o celular antes de tirar a chave eletrônica do bolso para entrar no quarto, tomar um banho e afundar na macia cama. O corpo pedia um descanso...
Porém, quando ia fechar a porta de seu quarto, um coturno surgiu no limiar, Era a mesma mulher que ao retirar o boné para deixar cair os intensos cabelos negros sobre seus ombros, sorriu de forma terna para ele.
— Olá Lior.
O príncipe precisava de uma bebida muito mais forte que os vinhos tintos da sua coleção.
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O Chacal
AksiChacal. Ele é um mestre do disfarce, uma lenda temida pela polícia que causa arrepios até nos melhores espiões. Ele jamais deixou um alvo viver. Exceto Lestrade. Lestrade di Laurenti estava no lugar errado, na hora errada. Não era para ele presencia...