Crystal Palace Hotel. Londres, Inglaterra.
A banheira se tornou seu refúgio; o copo de vinho em uma prateleira próxima, o confidente de todas as horas; e as lágrimas, a parceira improvável. Para alguém que amava tanto a vida quanto Lestrade, ver dois massacres em menos de quatro horas era cruel.
Cansou de dar descarga no quarto de hotel, de despejar todo o conteúdo do intestino nos esgotos londrinos. Nada entrava. Como ter estômago? Apenas o velho e doce sabor inebriante do álcool diluía a sensação de impotência.
Passou as mãos pela água canforada antes de pôr o queixo sobre a borda da jacuzzi. Pendendo para o lado, levou os pesados olhos para o aparelho auditivo em cima da pia, uma lembrança eterna de uma síndrome genética passada de pai para filho.
Pai. Ele o ajudaria? Ou varreria a sujeira para debaixo do tapete, tal como no passado, ao enviá-lo a um internato contra a sua vontade? Cerrou os olhos estranhos, exóticos, cada um de uma cor, e voltou a relaxar na calmaria da água.
Queria tanto uma praia, sombra e água fresca...
Talvez em outra vida. Os remédios eram bem convidativos. Bastava tomar todo o frasco e ele iria embora nos seus termos, sozinho em um quarto chique de hotel e esquecido sob um nome falso.
Morfeu não lhe ajudava. O mundo dos sonhos era repleto de pesadelos macabros: Rudolf em pedaços clamando por ajuda, Alek o amaldiçoando e perguntando o porquê de ele morrer em seu nome.
O choro ao ver Angie, morta na cama de hotel, sobre os lençóis caros.
Com dificuldade pisou no tapete e se enxugou. Aparou um pouco as mechas, escureceu o cabelo e se encarou. As lentes de contato verde-escuras lhe julgavam. Vai tentar viver de novo? Era tão fácil pegar a gilete...
Entendia muito bem a chama sutil e serena diante das olheiras ocultas sob a maquiagem.
Você é um sobrevivente. Foi a resposta que seus ombros deram ao colocar o blazer por cima da camiseta. Puxou o celular, a eterna chave-mestra. Ajustou-o e voltou a treinar sorrisos antes de buscar os comprimidos.
Ibuprofeno, Diazepam...
Lançou-os sem piedade nos compartimentos da pasta surrada, onde colocou também seu laptop devidamente carregado. Estava amarrando os sapatos sociais quando o celular vibrou em cima da cama.
Corra.
A mensagem vinha de um remetente desconhecido, o que era bem estranho, afinal ninguém tinha esse número. Era novo, comprado em uma loja de conveniência na esquina do hotel.
Corra, se não a polícia vai te pegar.
Ainda não acreditando no número misterioso, ele abriu o laptop e procurou a rede do hotel. Depois, abriu o site e pesquisou nas seções até encontrar uma página de login administrativo.
— A defesa deles é baixa...
Lestrade estava familiarizado com o pacote de software que usavam para executar a plataforma do usuário e isso significava que também estava familiarizado com as vulnerabilidades comuns do sistema.
O que você está fazendo? Foi a próxima mensagem que veio do celular.
Estou executando um processo de força bruta para invadir o sistema do hotel. Se você acha que vou mesmo confiar em um número desconhecido assim do nada... Respondeu. Aliás, nem sabia os motivos pelo qual fizera. Seria uma tentativa sucinta de uma conversa?
Como é que é? Sério que o remetente não tinha entendido?
O hotel usa um sistema para gerenciar todas as contas de seus funcionários. Estou usando um programa que tenta uma lista de nomes de usuários e senhas administrativas comuns em rápida sucessão. Normalmente leva horas, mas eu conheço um truque nesse sistema.
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O Chacal
БоевикChacal. Ele é um mestre do disfarce, uma lenda temida pela polícia que causa arrepios até nos melhores espiões. Ele jamais deixou um alvo viver. Exceto Lestrade. Lestrade di Laurenti estava no lugar errado, na hora errada. Não era para ele presencia...