Lior não acreditou no que aconteceu no penúltimo andar do Serrafiore. Na verdade, a mente se recusava a taxar a verdade diante dos seus olhos. Nem quando pegou Noor, a chuva nascente cascateando sobre eles em lençóis aquáticos que arrepiavam até os ossos oriundas da janela quebrada, ele aceitou os últimos suspiros da mulher que amava.
O sangue dela, ainda vibrante, corria pelos braços. A respiração era errática e cada vez mais lenta. O coração pulsou como um tambor pesado, berrando alto, tentando espalhar um sangue que escapava pelos ferimentos a bala... Lior não sabia se foi a chuva ou as próprias lágrimas que borrou a visão quando finalmente ele a olhou nos olhos.
Tentou esconder a preocupação, a existência do desespero crepitando no âmago da alma, esperando que alguém trouxesse um pequeno fio de esperança. Encarou o chefe de segurança, Juneau e até Helena em súplica, mas não veio nada. Nada além de incontáveis gotas que feriam a pele, no entanto, nada era maior que a dor no coração.
A dor de perder alguém que amou.
O coração bateu rápido e efêmero. De uma explosão brilhante para um sumiço minguante. Foi nesse momento que Lior queria dizer as palavras que ele mais queria, dar adeus a mulher mais forte e imponente que conhecera.
No entanto, até nisso, ele chegara tarde demais.
— Chefe Leclerc, eu irei atrás de meus parceiros. — Juneau, alheia a batalha mental e agonizante de Lior, engatilhou sua arma. — Eles precisam de minha ajuda. Se puder disponibilizar uns homens...
— Eu irei contigo. — Helena meneou a cabeça para Lior, pena, luto, tristeza e angústia estampadas nos olhos oblíquos, acima dos ossos régios do rosto. — O príncipe não vai a lugar algum.
E eu preciso fazer algo, não tenho como consolá-lo agora, nem sequer tenho esse direito. Isso pertence a outra. Juneau escutou Helena murmurar, mas aparentemente ninguém mais percebeu.
— Mandarei alguns homens com vocês.
Leclerc assobiou para alguns oficiais devidamente uniformizados e armados. Algo bem raro para a polícia monegasca. Juneau se perguntava o que passava pela cabeça suada do chefe da polícia, que em vinte anos, presenciara apenas um crime com arma de fogo, sendo este ocorrido no início da década passada.
Agora, só naquela madrugada, havia inúmeros corpos. Desde guardas e agentes secretos ao acionista majoritário e atual dono da Vault. O caos social que irromperia pela manhã seria o suficiente para pedir aposentadoria.
— Eu ficarei... aqui. — Ela não desejava estar na pele dele quando os abutres midiáticos sentissem o cheiro da carcaça.
E junto a metade do efetivo disponível, Juneau e Helena desceram as escadarias do Serrafiore rumo a resolução daquela noite macabra e cruel.
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Se alguém olhasse para o chão das escadarias, evitando as sombras lançadas pela madrugada monegasca, fatalmente veria a trilha causada pelas gotas de sangue escapando pelo flanco de Davina. Ela sentia a bala alojada, o metal dentro da carne. De como somente Deus explicava como ela não dilacerou músculos e ossos e de como a maldita dificultava seu resgate.
A cada passo em direção ao décimo andar, a respiração ficava mais errática. Não importava o estado absorto e resoluto da mente. A adrenalina pulsante inibia os sensores de dor. A teimosia marcante, a sensação de impotência. Fora da visão, fora do coração, murmurava a mente, mas era impossível não tentar estancar o buraco em troca de minutos a mais de vida.
Maldito Ermal e sua corja. Sua aparição, certamente, não foi coincidência. Para o chefe da máfia albanesa vir lidar pessoalmente com a remoção de uma renegada aparentemente morta, algo estava errado. Pandora estava em jogo. Bastava uma mensagem pelo aplicativo, e voilà, cá eles estariam, prestes a removê-la permanentemente da terra.
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O Chacal
AkčníChacal. Ele é um mestre do disfarce, uma lenda temida pela polícia que causa arrepios até nos melhores espiões. Ele jamais deixou um alvo viver. Exceto Lestrade. Lestrade di Laurenti estava no lugar errado, na hora errada. Não era para ele presencia...