Capítulo 46

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Eu mal conseguia ouvir meus pensamentos, que dirá o que Maite falava.
Deus, que loucura estava aquela casa!
A ideia dele de uma festa intimista e pequena, contemplava música alta,
gente correndo, criança gritando... me sentia dentro de um ensaio geral da Mocidade Independente de Padre Miguel.
Saí por um momento para a varanda dos fundos e mais crianças corriam
desesperadas, como se o mundo fosse acabar!
De repente ouvi uma voz grave e sedutora dirigir-se a mim.
— Cousin, que faz si qui, longe de Alfonso? — minha Nossa que sotaque
carregado!
Até que o cara era bonitinho, tinha olhos e cabelos castanhos e uma barba
cerrada, um tipo desses bem altos e com o mesmo nariz europeu do meu
noivo, ecco.... Acho que o tal Enzo me encontrou afinal.
— Olá, Enzo?
— Sì, sabe mio nome.
— Ah! Com certeza...
Não demorou nem meio minuto para que uma italiana alta de olhos e
cabelos claros aparecesse na varanda também acompanhada de Pietro, que
amarra o cenho de um jeito estranho.
— Cosa stai facendo qui? Riassetto problemi Miguel? — ela esbravejou
mesmo!
Ele não respondeu nada, olhou irritado na direção de Pietro, disse um tal de
“permesso” e saiu de perto. A loira seguiu atrás de Enzo e Pietro encostou- se no guarda-corpo ao meu lado.
— Ele faltou-lhe com o respeito?
— Ah, não, apenas se apresentou, nada demais... E quem era ela? Não consigo guardar o nome de todos vocês...
— Sophia. Nostra prima.
— Vocês tem muitos primos... E o que ela disse a ele?
— Perguntou o que fazia aqui e se estava querendo problemas com
Miguel, apenas isso.
— Vocês não gostam mesmo dele... Alfonso me advertiu com relação a ele,
não se preocupe...
— Na verdade, acho meio difícil do meu primo não se preocupar.
— Por que diz isso?
— Desculpe, mas ele me contou que não pensa muito em crianças... e Enzo
não pode ter filhos...
— Ah! Pietro, não acredito que estou ouvindo tamanho absurdo!
— Miguel vai fazer 35 anos, Anahí, o tempo passa para ele e o atormenta, ainda mais com a nonna...
— O que tem a nonna? Ela por acaso "exige" bisnetos?
— Exigir é uma palavra muito forte... Mas exerce certa pressão... venha, vou
te mostrar como as coisas funcionam...
[...]

Assustador.
Fiquei abismada, com cara de tonta sem saber o que fazer, enquanto a nonna Rosilda mandava em todos! Inclusive em mim!
Na primeira oportunidade corri para o banheiro e lá fiquei, tentando entender aquela loucura que acontecia pela casa inteira! Gritos, música alta, risadas
espalhafatosas e era como se houvessem mais de cem pessoas, mas na verdade eram apenas vinte!
Breves batidas na porta me lançaram de volta para a realidade.
A voz de Maite era um balsamo para meus ouvidos.
Abri a porta e a puxei num solavanco para dentro do banheiro da suíte de
Alfonso.
— Cara, vou te falar? Sua família nova é maneiríssima! Aquela coroa baixinha é a mais engraçada de todos! — dando-se conta do meu estado de
choque, parou de falar por um instante e ficou me analisando — Que foi? Que cara de cu é essa?
— Ele me disse que eram assim... bem alegres, mas não me disse que era
tanto!
Maite gargalhou e lhe segurei a boca com as mãos, ela ficou irada e ainda
rindo soltou minha mão e se pôs a cuspir.
— Ai que nojo! Essa mão de banheiro na minha boca! Lavou pelo menos?
— Para de loucuras! Não quero que ninguém saiba que estou aqui.
— Impossível! Seu irmão acabou de chegar com a Luiza, o Ricardo também
chegou e está perguntando por você, daqui a pouco o seu “Alfonso”, chega
com o tal presente...
— Estou apavorada.
— Ah! Começou... começou a patricinha... Se joga, amiga! É festa! É seu aniversário! 31 anos, Porra!
— Shhhhh!!! Pelo amor de Deus! Estamos nos escondendo!
— Ah, não brinca...
— Não que eu não goste, mas é que... tem muita gente aqui.
— Deveria ter alugado um noivo alemão, não passaria por isso, eles são em sua maioria muito reservados.
— Era pra rir?
— Não.
— Sabe o que a nonna disse?
— O que?
— Que eu deveria engravidar de uma vez e casar depois! Que o Miguel está ficando velho demais, que ela está ficando velha demais! Começou a dizer coisas e Pietro traduzindo tudo, escuta essa... Explicou como deveria preparar a comida do seu Miguel, perguntou sobre a Igreja que frequento.... Eu tô
falando... eles são muito loucos!
A vontade que me deu de bater na Maite foi enorme. Ela fazia aquela cara que eu odiava! Prendia os lábios nos dentes e juntava as sobrancelhas.
— Se você rir te afogo na privada, eu juro sua magricela que se você...
As batidas insistentes na porta me interromperam e Maite não pensou duas vezes antes de abrir sem nem ao menos ver quem era.
Alfonso.
Ficou nos olhando e seu sorriso se apagando pouco a pouco, até que Maite resolveu abrir a boca.
— Ela está enjoada... Acho que foi o ravióli.
Então voltou a sorrir e sacudiu a cabeça em negativa.
— Ah... Maite, Maite, você é mesmo uma boa amiga. — Maite  manteve a postura e a cara de “não sei do que está falando” — Por um segundo achei
mesmo que estava passando mal. — olhou em minha direção ainda sorrindo — Maite, pode nos deixar à sós por um instante?
— Claro, qualquer coisa, bem... não adiantaria nada mesmo gritar... — sua
voz saiu meio resmunguenta e então nos deixou sozinhos no banheiro.
Alfonso coçou o rosto, como se a barba o estivesse incomodando.
— Minha morena, por um momento achei que estava se sentindo mal, mas
então percebi que está se escondendo da minha família. — conforme foi
falando, sua voz ia subindo algumas oitavas.
— Está chateado, imagino, mas eu...
— Tá tudo bem, também me escondo com frequência deles... Me escondo
tanto que resolvi ficar por aqui, no Brasil, desde o início da minha fase
adulta.
— Desculpa, Alfonso-Miguel! Miguel... er... me desculpa, eu só precisava de
um tempo.
— Não pode dizer que não avisei. — ele me fez sorrir com aquela
constatação.
— Tem razão, mas é só questão de me acostumar... Minha Nossa, e eu achando que a minha família era barulhenta...

Ganhei um beijo apaixonado e intenso, seguido de um lindo sorriso de
dentes alvos e alinhados. Acariciei seu rosto e aquele sinalzinho que eu tanto
gostava, acima do lábio.
— Precisamos mesmo sair daqui, seu irmão chegou.
— Ian deve estar deslocado.
Assim que cheguei na sala presenciei uma cena que nem em mil anos poderia acreditar, o som alto com a música de Renato Carosone em Tu Vuò
Fa’ L’Americano, uma família italiana inteira batendo palmas. Dançando e no meio deles, Carol, Mônica, Ricardo e o mais feliz dos irmãos com a sua Luiza.
— Bem se vê o deslocamento do seu irmão...
Com essa frase, me deixou um beijo na têmpora e seguiu para o meio deles,
disse algo no ouvido de Pietro que sorriu e mexeu no som, logo a versão da música com a voz de Pitbull com Panamericano tomou toda a sala. As
crianças adoraram, até a nonna gostou!
Ian veio em minha direção e me estalou um beijo demorado no rosto,
Luiza me abraçou e também me beijou.
— Feliz aniversário mais uma vez, maninha.
— Obrigada, Ian.
— Muitas felicidades, cunhadinha!
— Obrigada, Lulu.
De repente, e não sei em que momento, comecei a me sentir muito mais
familiarizada com todos e soltava grandes risadas com as primas de
Alfonso, as moças eram muito divertidas e falavam um português muito enrolado, pediram que lhes ensinasse o samba, mas elas eram muito duras, não conseguiam rebolar,
saia mais como um "quadradinho".
Meus olhos e os de Alfonso se cruzaram em vários momentos, ele parecia
divertir-se com algum pensamento.
Em dado momento, Alfonso me tirou da companhia das mulheres e me
conduziu até os fundos da casa.
— O que foi?
— Presente...
— Aqui atrás? O que está aprontando?
— Lembrei-me de uma coisa que me contou e...
Oh Deus... Um Cocker Spaniel caramelo!
Escondi a boca aberta nas mãos e fitei os olhos divertidos de Alfonso com os meus arregalados. Aos poucos me refazendo do susto inicial, juntei as
mãos no peito ainda mantendo os lábios entreabertos. Estava sem palavras, emocionada e feliz.
— Meu amor... eu... Obrigada! Qual o nome dele? É ele? É ela? Qual a
idade?... — me pus a bombardeá-lo de perguntas.
— Você me disse um dia que adoraria ter um cão desses, mas que não dava
em um apartamento, então... eis o seu cãozinho. O nome dele é você quem
vai escolher.
— Que lindo! Eu quero pegar!
— É seu, vá em frente.
Antes de me debruçar no cercado metálico, agarrei Alfonso pelo pescoço
num abraço e lhe apertei os lábios com os meus no que deveria ser um beijo
e do mesmo jeito que me aproximei, me afastei, ligeira, queria muito segurar o
cachorrinho... E ele era tão dócil, veio logo no meu colo abanando o rabo.
— Quanto tempo ele tem?
— Cinco meses. Pelo visto você gostou.
— Tenho gostado de tudo que vem de você Miguel. Tudo.
Gostei do bolo de morango com chantilly, dos docinhos de damasco e da cascata de chocolate.
Foi uma festa bem diferente de todas até então e me esqueci completamente
da dieta.

Era um pouco mais de uma da manhã quando finalmente ficamos sozinhos,
o mesmo olhar divertido atravessou seu rosto.
— Que cara é essa?
— Sabe quando estava ensinando Sophia, Isabella e Fabrízia a sambar?
— Sim, o que tem?
— Será que consegue... — segurou-me pela cintura — Será que consegue rebolar da mesma maneira comigo... embaixo?
Uma risada alta me escapou.
— Pode apostar que sim.
...E então... nossa festa particular começou.

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⏰ Última atualização: Mar 25 ⏰

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Aluga-se um Noivo (Adaptada - AyA)Onde histórias criam vida. Descubra agora