Capítulo 34

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Terça-feira.
O sol estava alto. Eu sem forças para me levantar da cama. Quebra luz e
cortinas fechadas, não consegui pregar os olhos, rolando de um lado a outro,
estava me sentindo pequena, encolhidinha embaixo dos lençóis.
Meu celular apitou uma mensagem e agarrada num fio de esperança o
alcancei sobre a mesa de cabeceira. Maite.
“Disse que estava muito doente, mas o chefe tá fulo! Dá notícias por favor!”

“Tudo bem. Vou descolar um atestado.”

Muito a contragosto me levantei.
No espelho o reflexo tosco de um rosto inchado de tanto chorar, olheiras
fundas e nariz vermelho de tanto fungar. Fechei os olhos, precisava tirar
forças e não sabia de onde para resgatar a mim mesma daquele inferno. Praguejei por
estar me comportando como uma adolescente, coisa que não era há muito tempo.
Primeiro a gente nega, não acredita no que está acontecendo. Depois a gente simplesmente se culpa e começa a culpar o Mundo inteiro por cada passo mal dado.
Ainda antes de parar de culpar o Mundo, vem a fase de sentir muita raiva da pessoa que nem ao menos nos deu a chance de explicar.
E então vem a auto piedade, misturada com indignação, raiva de si mesmo e
uma coragem fingida de querer seguir em frente.
Mas foi nessa fase que percebi que ele poderia estar sentindo o mesmo, pois
eu, da mesma maneira, não lhe dei a chance de explicar coisa alguma e então sem dúvida ele me viu com Rodrigo e a coisa seguiu ladeira abaixo.
O fato de ter apenas ido embora me dizia que ele pulou todas as etapas e foi direto para o seguir em frente, e o que eu poderia esperar de um cara como
ele?
Peguei o resto de dignidade que tinha, respirei fundo e segui até uma
Unidade de Atendimento 24horas, consegui um atestado de dois dias,
inventei uma dor maluca e pronto, mas estava na cara que remédio nenhum poderia curar aquela dor no meu peito.
Voltei pra casa com o pensamento nas palavras de tio Bento. “ Nunca vi
você querer tanto uma coisa”. Foi com essas palavras em mente que entrei na internet, em busca do Afonso, ainda que ele seguisse adiante, eu precisava explicar o que aconteceu.
Mas ele havia retirado a página do seu anúncio, no número telefone que
tinha, aquela maldita mulher dizendo que o número era inexistente, foi me
dando um desespero, medo absurdo de perde-lo pra sempre.
Era madrugada quando peguei o carro e fui para o Joá, parei na frente da
casa do tal amigo, estava tudo escuro e silencioso, esperei por ele, esperei a
madrugada toda, até o sol de quarta-feira me acordar invadindo o meu carro e me chamando pra vida.
Apesar do atestado válido para aquele dia, precisava voltar para o escritório,
não havia retornado a nenhuma chamada da Maite que foi até meu
apartamento e deu de cara na porta.
Precisava pensar com clareza, caralho! Eu não era mais uma garotinha que
perdeu o namoradinho da escola! Eu sabia de todos os riscos e sabia que
estava apaixonada por ele! Precisava me recompor ou a ausência do Alfonso me consumiria por completo.
Maite arregalou os olhos e a boca formou um grande O ao me ver.
— Mas que porra é essa? Vem cá! — me arrastou para o banheiro antes
mesmo que eu colocasse a bolsa sobre a mesa — Caramba, eu liguei tanto
pra você, fui no seu apartamento... aonde você se meteu?? Minha Nossa, que estrago!
Tio Bento me ligou, Sandro me ligou, até o Alan me ligou! Tua família tá
louca atrás de você! ...
Seria cômico se não fosse trágico, Maite falando muito, tentando me
maquiar, e as lágrimas apenas descendo, sem nenhuma lamentação, apenas elas, que saiam copiosas.
A recepcionista abriu a porta, levou um tempo pra assimilar a cena e avisou
de uma entrega para mim.

Primeira coisa que pensei: flores! Alfonso me procurando para conversarmos!
E quão grande foi minha decepção com aquele pequeno envelope pardo com meu nome apenas.
Minhas chaves.
Afundei na cadeira e o ar apenas se esvaiu. Fiquei com o envelope nas mãos sem saber o que fazer.
Não havia um contrato que fizesse sentido, as letras se misturavam e me
confundiam ainda mais a mente. Não conseguia ouvir nada que Maite falava, não conseguia ouvir nem a mim mesma.
O chefe apareceu na minha frente, falando suas bobagens devidamente
ignoradas, se retirou, percebi quando bateu a porta e senti que todos me
olhavam.
O telefone tocou, no visor seu ramal, mandou que fosse até sua sala.
Sinceramente, eu não sei o que aquele boçal falava, só via sua boca se
mexendo com arrogância e minha mente só pensava que... eu perdi o Alfonso, perdi o único homem que amei.
O chefe ficou esperando uma resposta e não sei, estava tão sem paciência
pra ele...
— Se o senhor está tão insatisfeito comigo, por que não me manda embora?

*
Maite ficou me olhando sem entender a minha cara, era um misto de alívio
com as mesmas lágrimas de antes...
— E aí?
— Fui demitida.
— O que??
— Graças a Deus. Vou pra casa.
— Aviso prévio?
— Indenizado. Melhor assim, Maite, agora aquele filho da puta pode colocar um parente dele no meu lugar, o que vem querendo fazer há tempos. —
Maite me abraçou forte.
— Mas você vai ficar em casa?
— Vou tentar remarcar uma entrevista pra sexta-feira, estarei bem até lá.
— Caralho. — Maite coçou a cabeça, tentando disfarçar sua tristeza e seus
olhos marejados.
Saí me sentindo livre, tranquila. Já com saudades de ter Maite ao meu lado
perturbando minha vida a cada segundo, mas no geral, com toda a dor que a ausência de Alfonso me causava, me livrar do chefe escroto foi a melhor coisa naquele momento.
Precisava apenas resolver uma coisinha...

O homem baixinho e barrigudo que atendia pelo nome de Paulo abriu a
porta e desanimou em me ver.
— A senhorita...
— Lembra de mim, né?!
— Lembro sim... Como conseguiu entrar?
— Deixaram o portão aberto.
— Sei... O que você quer? Ver minha identidade novamente?
— Não. Quero que por favor, Paulo, diga a ele que o amo. Que foi um mal-
entendido e que o amo.
— Ama quem? — ele parecia confuso.
— Todo mês entra uma soma em dinheiro na conta da sua empresa. Diga ao homem que faz com que estas somas apareçam que eu o amo, mesmo que
ele não queira acreditar que foi um mal-entendido, apenas... diga que o amo, por favor. — enxuguei a lágrima que escapava.
Ele ficou me olhando com piedade e suspirou, balançou a cabeça em
negativa e eu fui embora.
Dali segui para casa, precisava voltar pra minha cama, dormir no carro não
era uma coisa legal para as costas, não mesmo.
*
Quinta-feira.
Acordei decidida a contratar um detetive particular, sim, mais uma de minhas ideias brilhantes, foi o que pensei de mais sensato para encontrar o Alfonso.
Almocei com Maite e contei meu plano, ela não foi contra, sorriu um bocado
e estava feliz em me ver aparentemente bem, como ela mesmo disse.
Mas não precisei gastar dinheiro para isso.
Assim que Maite e eu nos despedimos, segui de carro até Copacabana, parei no sinal fechado e, sabe quando dá uma sensação estranhíssima no
peito?
Como um aviso?
Olhei distraidamente para a minha esquerda, minha boca se abriu e fiquei
imóvel, ignorando completamente as buzinas dos carros atrás de mim, um
cara me cortou e gritou algo como “piranha!” Sei lá, acho que foi isso que ele disse, sinceramente não consegui prestar atenção em mais nada, estava paralisada.
Alfonso.
Ali adiante, atrás do vidro daquele restaurante caro, sorrindo tranquilamente enquanto entrelaçava seus dedos aos da mulher de cabelos negros e longos, pareciam felizes, ela sorria ainda mais, meus olhos se estreitaram quando ele beijou-lhe os nós dos dedos.
Pisei fundo no pedal furando o sinal amarelo, por um segundo até perdi o
rumo de onde estava indo e quando dei por mim estava xingando todos os
palavrões que haviam no planeta!
Que burra! Estúpida!
Entrei no salão em busca de uma hidratação, manutenção da minha
sobrancelha, uma escova e um novo corte de cabelo. Estava furiosa!
Precisava me acalmar! Precisava esquece-lo, afinal para aquele miserável... tudo estava
indo muito bem! Falso! “ ...mulher da minha vida...” Filho da puta! Prostituto desgraçado do caralho!

Ainda estava irada, decepcionada e com mais raiva ainda de mim, e ainda
pra completar recebi uma mensagem da Maite.. *estou indo pra Realengo,
ver minha mãe, Chispita comeu veneno de rato e morreu, mamãe está muito
triste*
Puta merda, eu adorava aquela gata velha.
E outra vez a dança das sombras no teto do meu quarto me distraiam, o ir e vir dos carros... uns dando sombras mais rápidas, outras mais lentas.
Abracei o travesseiro e tentei dormir.

*
Sexta-feira.
Quase uma semana sem Alfonso, parecia uma eternidade, por mais que
agora o odiasse muito, não estava sendo nada fácil.
A entrevista de emprego foi numa sala alugada no Centro do Rio, o homem
que conversou comigo chamava-se Ricardo, um homem muito elegante e
diria até bonito, foi muito educado e elogiou bastante minha roupa, um vestido tubinho da Madame MS, cinza gravite e um cinto fininho vermelho, cheguei a pensar que era gay, mas o jeito como me olhou enquanto conversávamos, não, não era gay.
Meus cabelos estavam mais bonitos com o corte reto na altura do ombro,
com algumas leves ondulações nas pontas. Maquiei-me com discrição em
tons suaves.
Fechamos um salário muito próximo ao que recebia anteriormente, mais os
benefícios e um cargo muito superior ao que tinha.
Saí de lá com a alma lavada! Ricardo, o homem magro de cabelos castanhos bem arrumados e olhos esverdeados elogiou muito minha desenvoltura e meus conhecimentos, não pestanejou em me contratar, disse que era
melhor contratar-me antes que outro o fizesse, gostei disso.
Gostei também de saber que começaria tão logo, na terça-feira após o
exame admissional, marcado para segunda-feira.
Vida nova!
Foda-se aquele michê desgraçado dos infernos! Foda-se o Rodrigo! Fodam-se
todos!

Aluga-se um Noivo (Adaptada - AyA)Onde histórias criam vida. Descubra agora