Capítulo LVI

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Ela havia perdido todo senso de espaço naquele lugar, horas pareciam dias, se tinha passado um dia ou um mês ela nunca saberia ao certo. Os tempos entre uma “visita” e outra da menina loira e de Dabi era desregular e o tempo que ficavam também, eles não poderiam servir de marca de passagem de tempo.

Às vezes Harumi se questionava quando todo aquele inferno iria acabar, se iria tão cedo. O único pensamento que lhe ahradava era o fato de que uma hora — cedo ou tarde — tudo terminaria sendo por seus sequestradores desistirem ou morrerem, o restante era uma tormenta sem fim que inundava sua mente como veneno e ácido corroendo sua alma e as crenças de um futuro melhor.

Não tinha uma escapatória, seus pés estavam cansados de manter o corpo em pé, os braços quase em carne viva com tamanhos ferimentos que se formavam pelas correntes. Os melhores momentos eram quando seu corpo resetava após uma morte rápida antes de ser deixada sozinha, era tão bom poder respirar sem um osso trincado lhe causando sofrimento...

A porta foi aberta revelando um Dabi extremamente irritado sendo seguido por um idoso pequeno vestido com um jaleco branco. Os olhos lunáticos encaravam o corpo feminino com certo fascínio como se tivesse achado uma mina de diamante de primeira qualidade.

— Então é ela — Sua voz era de sentir nojo, o tom que tratava um humano como objeto — Estudar o causador de sua imortalidade será magnífico.

— Eu não gostaria de ser a pessoa que te dá uma notícia ruim — Harumi disse com um pequeno sorriso, o rosto se mantinha com dificuldade encarando o senhor, os fios longos de seu cabelo se tornando uma variação infinita entre o descolorido e o tom natural dos fios — Mas ninguém nunca conseguiu decifrar o motivo da minha imortalidade.

— A tecnologia humana na última década era inferior se comparada a que possuímos agora em mãos — Ele pareceu querer rebater, mas apenas recebeu um estalar ruidoso da língua da imortal que ria sem se importar com tudo aquilo — Dabi.

Não foi necessário um pedido formulado para que uma luz quente e azul tomasse a visão de Harumi para si, as labaredas engolindo seu corpo com fome a devolvendo para a imensa escuridão que ela tanto lutava para não sair. Para Harumi, uma imortal cansada demais, morrer parecia a melhor solução.







A porta foi aberta com cuidado, o gélido vento adentrando o quarto junto de uma fraca luz produzida pela vela em mãos de seu guarda. A mulher encarava o teto de maneira vaga e entediada, o tempo passava e o sono não vinha e agora, com a presença em seu quarto, uma luz viva acendeu em seus olhos que observava a figura adentrar o lugar.

— Eu pensei que estaria acordada — O homem disse brevemente antes de abandonar a pequena fonte de luz em um canto seguro — Aconteceu algo para que não tenha dormido?

— Seria melhor eu questionar o motivo de estar no quarto de uma dama — Zombou com um leve sorriso, os fios de seu cabelo tão escuros quanto tinta preta — O que você está escondendo?

— Sempre tão perspicaz — O homem deixou um leve sorriso enquanto tirava de sua camada mais grossa de roupa um pequeno presente feito para a esposa de seu mestre — Aqui está, eu vi em uma de minhas idas para a cidade.

Embalado em tecido, Harumi teve de puxar as camadas para revelar um enfeite de cabelo no formato da flor de cerejeira. O cabo era de metal e as pétalas tinham sua estrutura feita com a mesma linha metálica que compunha o grampo, o meio colorido sendo de vidro tingido como as contas que caia sendo presos por fios de tecido vermelho.

— É lindo — A voz sussurrava como se tivesse perdido o folego. A beleza e os detalhes davam valor para o objeto feito de um material menos nobre se comparado as de ouro e pedras preciosas que seu marido lhe dava para a enfeitar como uma peça de exposição viva — E quanto foi? Posso estar devolvendo já que não é justo comprar algo para que eu use.

— É um presente — Sem hesitar disse, os olhos desviaram da figura feminina em vestes que era desapropriado estar vendo — É... É melhor que eu vá.

— Pode ficar um pouco mais — A mulher não parecia se importar com essas questões, seus olhos focados demais no presente para ver o rosto avermelhado do jovem rapaz. Demorou alguns minutos em silencio para que ela pudesse se lembrar das vestes que cobriam seu corpo — Oh... Se puder me dar um minuto, posso usar algo mais adequado.

— Creio que deveria tentar dormir...

— Sabe que não está em questão isso — Ela disse emitindo uma leve risada — Só um momento e se quiser podemos andar um pouco no jardim dos fundos. É uma noite linda.

— De fato — A lua que ele viu antes de adentrar a casa de seu mestre inundava o céu noturno com um brilho fantástico e sobrenatural em tons de azul como a mais pura pintura.





Quando seu corpo parecia convulsionar a obrigando voltar a vida, ar adentrou seus pulmões queimados como carne viva enquanto seus membros se regeneravam em alta velocidade. Seus olhos se abriram, desfocados e cansados demais enquanto a fraca luz que tinha na sala deixava as silhuetas difíceis de se distinguir.

Não demorou para que Harumi sentisse seu corpo sendo carregado a força por dois homens de jaleco fosse jogado contra um buraco. A imortal caiu dentro de um tanque de vidro escutando o baixo som dele ser fechado pelo único modo de saída, uma luz acendeu no tanque deixando a silhueta que vestia uma roupa branca com uma pequena iluminação para estudo dos cientistas.

Harumi observou todos os demais tanques com experimentos que ela sabia se tratar de nomus defeituosos ou em constante estudo para a melhoria genética. A mulher sentiu seus pulmões arderem novamente e batendo a mão contra o vidro, sentiu quando a escuridão começou a tomar conta do canto de sua visão.

Ela bateu novamente a mão com força, ardência e desespero tomando conta de seu corpo enquanto seus pulmões imploravam pela troca de ar. Ela bateu novamente.... Novamente... Novamente... Novamente.

Tudo estava se tornando escuro...

Frio...

Aterrorizante...

Seus batimentos voltavam como uma onde em alguns segundos e depois sessavam quando seu corpo resetava sem oxigenio em uma tortura que voltava diversas vezes em questão de minutos.

Lutava...

Se debatia...

Ela queria sair dali... Ela sentia falta de Akemi, sentia falta de sua melhor amiga de longa data, de sua cafeteria com uma rotina tão tranquila e doce... Harumi sentia tanta falta daquilo, ou das noites em que voava pela cidade... Ela sentia falta de Keigo Takami também...

A imortal desistiu, os olhos vagos esperando sua morte novamente, o resetar do seu corpo, enquanto sua mente lhe trazia as memórias que se apegou nos dias de tortura e se apegava agora para não se partir.

O cheiro de café recém moído, os sons de uma leve chuva que tocava as janelas de vidro deslizando durante uma tarde de trabalho, o vibrar do sino anunciando a entrada de algum cliente.

Harumi sentia falta de sua vida normal...

De sua casa...

Trabalho...

Família e amado...

O escuro não demorou para a engolir reiniciando um ciclo sem fim.

Doce como Café { Hawks }Onde histórias criam vida. Descubra agora