01• PRISÃO

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Clary Miller

Acho que nunca me canso de ficar na cama. Meu edredom é meu conforto, algo que nunca me enjoa, e nem tem como enjoar.

Nada parece ter sentido para mim. Minha mãe morreu quando eu tinha dez anos. Ela era minha luz, minha fonte de coragem e felicidade. Metade da minha alegria foi embora com ela, e a outra metade desapareceu quando meu pai se casou de novo.

Minha madrasta e as filhas gêmeas dela são um verdadeiro terror. Às vezes, prefiro nem sair do quarto, exceto quando é realmente necessário.

Meu pai é caminhoneiro. Ele está quase sempre viajando e, quando está em casa, parece feliz com a nova mulher. Mas quando me olha, vejo tristeza em seus olhos por causa da minha depressão.

Estou melhor agora, eu acho. Faz três anos que tentei me matar. Foi um fracasso, claro. Acabei na psicóloga e fiz meu pai gastar dinheiro com tratamento.

Só queria acabar com a minha tormenta. Não tenho nada nesta vida, exceto ele. E quando ele está por perto, tudo parece um pouco melhor. Mas, quando ele vai embora, minha vida vira uma prisão.

A porta do meu quarto se abre abruptamente, revelando minha madrasta, Paloma.

— Está na hora da sua aula de balé. Levanta logo, seu pai não vai gastar dinheiro à toa.

Ela saiu batendo a porta com força, o estrondo ecoando pela casa. Fiquei olhando para o teto branco, decorado com algumas fotos e recortes. Preparei minha bolsa e saí do quarto, deparando-me com as gêmeas assistindo TV.

— Fiquei sabendo que vai ter uma apresentação — disse Beatriz, sem nem se dar ao trabalho de olhar para mim, enquanto comia pipoca.

— Espero que você não passe vergonha e não nos envergonhe também — completou Bianca, igualmente desinteressada. Elas são cruéis, não apenas com palavras. Sei que estou um pouco magra demais... Mas que droga de família.

— Não vou competir — respondi, sem dar chance para mais comentários. Não nos damos bem. Na verdade, elas são horríveis como pessoas. Devem ter puxado à mãe.

Ao sair pela porta, vi o jipe preto do meu vizinho, Red Blossom. Ele me olhou por um segundo antes de virar o carro e estacionar na garagem. O cachorro dele, um rottweiler, estava ao lado. Não posso mentir, aquele cachorro me dá medo.

Red desceu do carro e abriu a porta para o cachorro. Ele se virou para mim e me encarou. Segurei seu olhar por alguns segundos. Ele não desviou. Havia algo nele, um olhar penetrante, como se conseguisse ler as pessoas, algo fora do comum.

Droga, eu estava parada, olhando para ele. Ele vestia uma jaqueta e calças jeans pretas. Virei o rosto.

Comecei a caminhar e coloquei meus fones de ouvido, ainda sentindo o peso do olhar dele em mim. Não me atrevi a verificar.

Red é um problema. Faz o que quer, vive a vida do jeito que bem entende. Já foi preso e ficou três meses na cadeia. Vive em festas, com mulheres, drogas e outras coisas que nem imagino...

Ele é o tipo de homem que muitas garotas acham atraente. Alto, tatuado, com um corpo definido, nem magro nem musculoso demais. Sei disso porque já o vi consertando o carro ou as motos na frente de casa, sem camisa. Isso sempre chama a atenção das gêmeas, que suspiram e comentam.

O cabelo dele é penteado para trás, mas alguns fios sempre caem na testa, dando-lhe um ar misterioso sob aqueles olhos cinzentos. Ele é a personificação do sexy, se é que dá para chamar assim.

Certa vez, uma das gêmeas comentou sobre ele. Ela foi a uma festa em que Red estava e disse: "Ele estava tão gato! Achei tão sexy o jeito que ele espancou aquele cara". Até hoje não sei o motivo da briga.

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