36• QUASE ENCONTRO

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Clary Miller

Acordei cedo, o sono parecia uma memória distante. Minha mente não conseguia encontrar descanso, rodopiando incessantemente em pensamentos que se entrelaçavam como fios de uma teia emaranhada. A confusão mental era esmagadora, e, para piorar, o abraço do Red, que deveria ter trazido algum alívio, acabou tendo o efeito contrário. Talvez tenha sido a primeira vez que me senti verdadeiramente segura em muito tempo, como se a presença dele pudesse afastar qualquer ameaça. Era uma sensação estranha, aquela proteção que ele me oferecia, mas que, ao mesmo tempo, trazia um turbilhão de emoções conflitantes.

Aquele abraço, embora simples, se tornou um marco para mim, mais importante do que qualquer outra coisa naquele momento. Eu me senti acolhida, protegida de uma maneira que nunca havia experimentado antes. Era como se, por alguns segundos, o peso do mundo tivesse se dissipado, e tudo o que restava era a segurança dos braços dele ao meu redor.

Soltei um longo suspiro e me aproximei do espelho no banheiro. A água quente do banho havia embaçado o vidro, criando um véu nebuloso sobre o meu reflexo. Passei a mão sobre a superfície, revelando o rosto que me encarava de volta. Meu cabelo caía em mechas pesadas, ainda úmidas, sobre os ombros. Meus olhos ambarinos estavam cercados por sombras escuras, denunciando noites mal dormidas, e as sardas que salpicavam minhas bochechas e nariz pareciam mais pronunciadas do que nunca. Nunca me senti particularmente atraente, e as sardas eram apenas um lembrete de algo que eu nunca consegui apreciar em mim mesma. Meu corpo, antes magro e frágil, havia ganhado algumas curvas nos últimos meses, mas isso só reforçava a sensação de que eu estava me transformando na versão mais jovem da minha mãe, uma comparação que me trazia um misto de conforto e angústia.

Uma simples lâmpada apagada na casa do Red havia desencadeado um medo profundo, uma sensação de pânico que me dominou por completo. O escuro sempre teve esse efeito sobre mim, como se ele pudesse engolir tudo ao meu redor. Sentia-me infantil, ridícula, por temer algo tão trivial, mas Red não me julgou. Ele foi paciente, compreensivo, me segurando quando desmoronei em lágrimas. Naquele momento, ele foi mais do que um homem; foi uma âncora em meio à tempestade, alguém que me tratou com uma delicadeza que eu raramente conheci.

Ninguém nunca me tratou assim antes. Meu pai tentava, é verdade, com seus abraços rápidos e palavras de conforto, mas ele nunca ficava tempo suficiente. Sempre havia outras prioridades, como Paloma e as gêmeas, que demandavam sua atenção. Eu entendia, claro, mas isso não tornava a situação menos dolorosa. A ausência dele, mesmo quando estava presente, deixava marcas invisíveis que eu carregava silenciosamente.

Hoje é o dia do encontro com Samuel, e minha cabeça está um caos. Não faço ideia do que vestir; minhas roupas são simples, sem nada que se aproxime de elegância. E, para ser sincera, nem sei o que esperar desse encontro. Samuel é gentil, educado, mas há algo nas palavras do Red que ficou ressoando em minha mente, uma sombra de preocupação que eu não consigo ignorar. Parte de mim teme o que possa acontecer, enquanto outra parte anseia por um momento de distração, algo que me faça esquecer, ao menos por algumas horas, o turbilhão de sentimentos que me consome.

Me vesti com um cuidado que raramente tinha. Optei por uma calça que marcava minhas curvas de forma sutil, o tecido justo moldando meu corpo. A blusa de alças finas, com suas flores brancas delicadas, contrastava com a minha pele, criando um visual ao mesmo tempo suave e confiante. Mas o cabelo... Ah, o cabelo! Tentei penteá-lo de várias formas, mas nada parecia certo. No fim, deixei-o solto, as ondas caindo livremente sobre meus ombros, como se quisessem esconder minha insegurança.

O silêncio na casa foi um alívio. As gêmeas e a mãe saíram, e, por um breve momento, me senti grata por estar sozinha. Não queria enfrentar os olhares curiosos delas, muito menos as perguntas incessantes que, inevitavelmente, viriam. Não tinha respostas, e a ideia de levantar suspeitas era insuportável.

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