22• CONFORTÁVEL

274 25 37
                                    

Clary Miller


Meu pai viajou na madrugada de quinta-feira. Senti o calor do beijo que ele me deu na testa antes de partir e, quando acordei, ele já não estava mais em casa. A tristeza me envolveu, como sempre que ele viajava, mas eu sabia que não podia ficar no quarto chorando como costumava fazer. Gabriela me esperava para trabalhar, então levantei e fui cumprir minhas obrigações.

Passei a manhã ajudando Gabriela a cuidar dos cachorros. Aqueles pequenos amigos foram minha distração, preenchendo o vazio deixado pela ausência do meu pai. Na noite de quinta-feira, evitei sair do quarto. Não queria lidar com as irritações de sempre, especialmente enquanto meu peito ainda doía pela viagem de trabalho do meu pai. Sabia que, assim que me vissem, as meninas iriam me cobrar, seja com insultos ou exigindo algo meu.

Cheguei à casa do Red para nossa segunda aula, tentando manter o horário combinado. Mel abriu a porta e me recebeu com um sorriso gentil.

— Clary, entre.

Olhei ao redor, procurando por Red, mas meus olhos se prenderam em Thor, deitado no canto da sala. Como sempre, ele veio até mim com o rabo abanando.

— Oi, garotão, também estava com saudades de você.

Brinquei com Thor por um momento antes de me levantar. Mel ainda me observava, com um brilho de divertimento nos olhos.

— O Red está?

— Ah, não — disse ela, apontando para o quarto do Red. — Ele pediu para você esperar lá.

— Certo.

Senti o olhar dela em mim enquanto me dirigia para o quarto do Red. A impressão que eu tinha era de que ela não gostava muito de mim, mas não podia culpá-la; eu mesma estava cheia de problemas que não sabia como resolver.

— Qualquer coisa, estou aqui.

— Certo.

Abri a porta e notei que Thor queria entrar também. Deixei-o passar e ele rapidamente se deitou no pé da cama. O quarto de Red era como sempre, a cama bem arrumada e uma mesinha com alguns livros abertos. Me aproximei da mesinha e vi alguns livros em italiano. Mesmo fora, ele estava se preparando para a aula.

Coloquei minha mochila na cadeira e peguei o livro de italiano. Ler na cadeira era desconfortável, então olhei ao redor e vi a cama dele, grande e convidativa. Parecia me chamar. Perguntei-me se Red se incomodaria se eu deitasse ali. Sem saber a resposta, decidi arriscar.

Senti uma coragem inesperada quando se tratava de Red. Respirei fundo e me acomodei na cama dele, encostando-me na cabeceira. A cama era incrivelmente macia e tinha o cheiro dele. A visão do Red dormindo ali invadiu minha mente e eu percebi que estava trilhando um caminho perigoso.

Tirei meus sapatos e os coloquei de lado, tentando não sujar os lençóis imaculados. Passou quase uma hora e eu ainda lutava para entender o italiano, minha habilidade com línguas sempre foi limitada. Suspirei frustrada e, nesse momento, a porta se abriu. Red entrou e me encontrou deitada na cama dele, com um olhar de surpresa e uma sobrancelha levantada.

Senti-me envergonhada e comecei a me levantar, mas a voz dele me fez parar.

— Pode ficar aí.

— Desculpa, não queria ser folgada.

Ele me observou, depois olhou para Thor, que estava empolgado e feliz ao seu lado. Red alisou a cabeça do cachorro, que colocou a língua para fora, como fazia comigo.

— Fica tranquila — disse ele, encontrando meus olhos. — Eu não me importo.

Ele me deu um sorriso curto e se dirigiu à cadeira, tirando a jaqueta. Rapidamente, voltei a olhar para o livro, não querendo que ele percebesse o quanto eu estava afetada. Red nunca demonstrou interesse por mim.

Tive certeza de que deitar na cama dele foi uma péssima escolha quando ele também se deitou ali, de lado, na minha frente. Senti um frio na barriga, nunca tinha compartilhado uma cama com um garoto e minhas bochechas queimaram.

Red se inclinou para me ver melhor, já que eu estava com a cabeça baixa. Ele jogou a cabeça para trás e começou a rir. Eu, envergonhada, bati nele com o livro. Ele apenas ignorou o gesto, aumentando minha sensação de tolice.

— Por que essa cara?

— O que você quer que eu diga? — suspirei, sentindo-me idiota. — Nunca estive com um homem em uma cama.

Percebi tarde demais o que havia dito. O olhar de Red ficou ainda mais confuso e ele parecia ter dificuldade em respirar, com as pupilas dilatadas. Seus olhos estavam fixos nos meus, como se estivessem presos, e eu não conseguia desviar.

— Não é como se eu fosse te comer.

Eu explodi de vergonha. Não acreditava que ele realmente tinha dito isso. O fato de ele não ter a intenção de fazer isso não deveria me deixar tão ofendida, mas parecia doer de qualquer maneira. Levantei o livro para bater nele, mas Red segurou meu pulso e me puxou para mais perto. Seu rosto estava tão próximo do meu que eu podia sentir a respiração dele quente no meu rosto, junto com o seu cheiro.

— Calma, não precisa ficar nervosa, docinho.

Nos encaramos por um tempo. Os olhos dele estavam fixos nos meus e era como se estivéssemos em uma batalha silenciosa. Eu podia ver que ele estava interessado, mas não conseguia ler o que ele realmente pensava.

Quando ele soltou meu pulso, rapidamente me afastei e voltei a me encostar na cabeceira da cama, abrindo o livro e ignorando-o, apesar de minha respiração estar descompassada.

— Leia o livro para mim.

Levantei uma sobrancelha. Isso era realmente vergonhoso, não conseguia pronunciar nada direito, mas ele continuava me olhando com uma expressão séria, quase de professor. Respirei fundo, derrotada.

— Está bem — respirei fundo — Il miu…

— Não é "miu", é "mio".

O jeito como ele pronunciou fez um biquinho que me fez rir e eu acabei caindo na cama dele em gargalhadas. Ele me olhou com uma expressão confusa. Meu sorriso diminuiu quando percebi que estava deitada ao lado dele e rapidamente me levantei.

— Que bom que achou engraçado. Agora continue lendo.

Respirei fundo antes de recomeçar. Ele me observava com um olhar afiado. Posso dizer que Red Blossom não tolera erros.

— Il mio bellissimo gatto miagolava chiedendo cibo.

— Muito bem, continue.

Sentia a pressão da maneira como ele me observava e falava. Tudo nele parecia me deixar nervosa. Seus olhos estavam sempre fixos nos meus e eu me sentia ainda mais ansiosa. Olhei para o livro, mas voltei a olhar para ele. Havia algo em seu olhar que me deixava inquieta, como se ele me conhecesse profundamente, como se visse algo que só ele podia perceber. Ele sorriu brevemente, talvez porque eu estava o encarando demais.

— Docinho, não temos o dia todo.

Engoli em seco e voltei a focar no livro, piscando algumas vezes para me concentrar no texto e deixar o Red de lado, senão a aula não daria certo.

— Onde eu parei? Ah, foi aqui — disse, piscando algumas vezes para focar.

— Vai em frente — pediu Red, sua voz um pouco mais suave.

Continuei a ler, tentando manter a calma apesar da presença de Red tão próxima. A cada palavra pronunciada, sentia a pressão dos olhos dele em mim, o que fazia com que me sentisse ainda mais nervosa. No entanto, eu também não podia ignorar a sensação estranha de estar tão próxima dele, dividindo o mesmo espaço.

Quando finalmente terminei a leitura, Red se levantou e sorriu para mim.

— Bom trabalho — elogiou ele. — Parece que você está melhorando.

— Obrigada — respondi, aliviada por finalmente ter terminado.

ATORMENTADOS Onde histórias criam vida. Descubra agora