66• SAINDO COM COLEGAS

152 16 6
                                    

Clary Miller

A sala de aula estava abafada, com o ar condicionado lutando contra o calor, mas sua luta parecia inútil diante do tumulto que reinava no ambiente. O professor desenhava mapas invisíveis no ar, sua voz ecoando pelos cantos enquanto fazia exemplos geográficos. Mas, para mim, suas palavras eram apenas ruídos distantes. Minha mente só conseguia voltar para Red. Ele estava certo... Eu não deveria ter dado minha opinião sobre o assunto. Era sobre a mãe dele, as decisões dele, a vida dele. Suspirei baixinho, meu peito apertado. As coisas entre nós estavam cada vez mais tensas, e agora fazia três dias que não nos falávamos desde o incidente com sua mãe.

Pedi que ele ficasse longe de mim, mas por que a ausência dele me machucava tanto? Será que ele estava realmente errado? No fundo, eu sabia que não. Ele sempre me observava de perto, e eu fazia o mesmo. Aquilo me assustava e, ao mesmo tempo, me excitava. A tensão entre nós, a forma como ele controlava o ambiente ao seu redor - incluindo a mim - mexia comigo de um jeito que eu não conseguia entender.

Suspirei de novo, frustrada. Não era assim que imaginei que estaríamos agora. Mas eu queria o quê? Um conto de fadas? Isso não existia. Somos pessoas reais, com erros, medos e feridas. E pessoas reais não têm finais perfeitos.

O som estridente do sinal ecoou pela sala, me arrancando daquele transe. As cadeiras começaram a ranger enquanto os alunos saíam apressados, e o ar parecia vibrar com a energia do momento. Ana, que sentava ao meu lado, se virou para mim com um sorriso leve nos lábios.

- Clary, os meninos vão tomar umas cervejas hoje. Você quer ir?

Ana era uma das poucas pessoas com quem eu conversava diariamente. Ela, Enzo e André tinham se tornado uma pequena bolha de fuga dentro do caos que minha vida havia se tornado. Eles me faziam rir, esquecer por algumas horas que o mundo lá fora parecia um caos absoluto. Ana era tímida, mas, às vezes, se mostrava extrovertida, sempre envolta numa energia vibrante.

- Ah, não sei... - comecei a falar, mas a expressão empolgada dela me fez parar. - Tá, acho que eu vou. Preciso disso.

Ela abriu um sorriso ainda maior, satisfeita.

- Isso! Você precisa mesmo. Vai fazer bem pra você - Ana piscou, levantando rapidamente da cadeira. - Além do mais, a gente merece um descanso depois dessa aula maçante, né?

Eu ri, meio sem vontade, mas me deixei ser levada pela animação dela. Talvez sair fosse uma boa ideia; talvez eu conseguisse me distrair por algumas horas.

- Acho que merecemos sim.

O bar era pequeno, com luzes amareladas pendendo do teto e uma atmosfera pesada, repleta de vozes abafadas. As mesas de madeira estavam sempre marcadas por copos de cerveja e risos altos. O cheiro de álcool e cigarro misturado criava uma aura decadente, mas curiosamente acolhedora.

Sentamos todos juntos numa mesa no canto, e André, se acomodou ao meu lado. Ele era engraçado, sempre com uma piada pronta, e naquele momento, eu precisava de um pouco de leveza. Mas talvez ele quisesse mais de mim; a forma como ele me olhava e se aproximava rindo na minha direção me fazia pensar, que talvez ele estivesse afim de mim. Ana já tinha começado a falar sobre os professores, rindo das manias do professor de geopolítica, enquanto Enzo ria com ela, imitando o jeito sério do professor.

- Eu juro, aquele cara vai infartar um dia, sempre tão tenso! - Ana comentou, gargalhando.

- O mais engraçado é que ele pensa que a gente realmente presta atenção em tudo - Enzo entrou na brincadeira, mexendo os ombros como se estivesse carregando o peso do mundo nas costas, imitando o professor.

Não consegui evitar rir também. Aquela leveza, aquelas piadas simples me fizeram bem. Mesmo que por um momento, parecia que o peso da minha cabeça havia diminuído um pouco.

André se inclinou para mim, sorrindo de lado.

- Tá vendo? É disso que você precisa, Clary. Uns amigos pra te fazer esquecer os problemas.

- Acho que você está certo - respondi, sorrindo.

Ele deslizou a mão pela minha cintura de forma casual, me puxando para mais perto. Eu me mexi um pouco desconfortável, mas sorri de volta para ele. Não queria ser grossa; afinal, ele não tinha feito nada de errado. E eu queria que fôssemos amigos, não queria começar dando uma exagerada só por causa da mão dele na minha cintura.

- Talvez eu só precise beber mais pra chegar lá - respondi, tentando manter o tom leve. Peguei o copo de cerveja que ele tinha me oferecido e tomei um gole longo. O amargor desceu pela minha garganta, e de alguma forma, aquilo parecia certo.

- Então tá dizendo que ainda não somos amigos?

- Não - eu ri.

- André, você não consegue fazer amigos direito - falou Enzo, rindo, e todos nós rimos. - Com essa cara de idiota, só assusta.

O ar era leve e tranquilo à nossa volta; acho que poderia fazer mais amizades, afinal das contas.

Ana estava contando uma história engraçada sobre uma aula antiga, e Enzo riu tanto que quase derrubou a cerveja. A cena era leve, diferente de tudo o que eu vinha vivendo nos últimos dias. Me peguei sorrindo, realmente aproveitando o momento.

Foi então que o vi.

ATORMENTADOS Onde histórias criam vida. Descubra agora