20• UMA PEQUENA NOTÍCIA

267 28 36
                                    

Clary Miller

Os dias de terça à tarde continuavam os mesmos. Nas aulas de balé, estou treinando apenas com a Teresa, já que estamos nos preparando para a apresentação de "Cisne Negro". Quero dar o meu melhor, quero deixar de ser a garota do canto que todos achavam que eu seria para sempre.

Quero fazer algo por mim, e este é o primeiro passo. Sei que minha mãe amaria poder me ver assim.

O sorriso dela é uma das poucas coisas de que me lembro. Ela sempre estava sorrindo e parecia muito feliz.

Ela amava decorar a casa com suas tulipas vermelhas. Ainda me lembro do cheiro que elas traziam para casa.

Minha casa nunca mais teve esse cheiro, o que era reconfortante de um jeito.

A música clássica explode pelo som da caixa de som, trazendo uma onda de tremor pelo meu corpo. Dou um giro, depois outro e mais outro, até terminar na posição que Teresa me mostrou.

Ela bate palmas e desliga a caixa de som, escutando apenas os batimentos do meu coração. Sorrio para ela, ainda ofegante e com dificuldade para falar.

- Acho que precisamos apenas treinar os saltos.

Os saltos são uma das partes mais difíceis para mim. Não podem ser altos, têm que ser baixos, igual a um cisne mesmo. Às vezes, perco o equilíbrio e acabo me atrapalhando nos passos.

- Certo, podemos melhorar mais.

Teresa sorri e para no meu campo de visão com um sorriso curioso nos lábios.

- Vejo que está mesmo determinada com a apresentação.

Sorrio curto para ela, de forma genuína. Teresa sempre foi uma boa pessoa, sempre gostou de mim e torceu para que eu melhorasse e começasse a viver. Podia jurar que ela estava vendo que finalmente comecei a fazer coisas que sempre quis.

- Sim, quero dar o meu melhor.

- Tenho certeza que você irá conseguir, você parece diferente.

Sorrio como se tivesse sido pega em algum segredo, e Teresa me olha com uma expressão confusa no rosto. Não estou escondendo de ninguém que estou mudando, mas ver que finalmente está dando certo é muito gratificante.

- Ah... - sorrio sem jeito - acho que finalmente estou tentando viver do jeito que eu quero.

- Fico muito feliz por isso - ela sorri e vem até mim, segurando minha mão direita entre as duas dela. - Temos que comemorar, certo?

- Ah? - Olho confusa para ela. - Como assim?

- Vamos terminar aqui e sair para comer em algum lugar, que tal?

- Claro, vamos começar então?

Ela solta minha mão e vai até a caixa de som, ligando-a. Começo a me preparar para dançar.

Cheguei em casa quase às onze horas. Fiquei conversando com Teresa por muito tempo. Ela me contou como era na época dela e como se saiu na primeira apresentação. Diria que ela estava tentando me tranquilizar, e conseguiu. Não preciso ser perfeita na apresentação, só preciso dar o meu melhor.

Abri a porta de casa e vi meu pai sentado no sofá com uma xícara que parecia conter café. Ele não poderia estar me esperando, pois mandei mensagem avisando que iria sair com Teresa. Ele me olhou com um sorriso curto.

- Pai, ainda está acordado?

- Estava te esperando, filha.

Percebi que o sorriso dele mudou para sério, e senti meu coração batendo forte. O rosto do meu pai parecia abatido, como se estivesse preocupado. Eu me sentia ansiosa.

- O que houve? - perguntei, assustada.

- Sente-se aqui.

Ele bateu ao lado dele no sofá, e eu rapidamente obedeci. Me sentia um pouco nervosa sobre o que ele queria falar comigo. Tinha feito tantas coisas sem ele saber que temia decepcioná-lo.

- O que houve?

Acho que minha voz saiu com o pânico que estava sentindo no peito. Ele se virou para mim e segurou minhas mãos. Olhou-me nos olhos e deu um sorriso triste.

- Eu não achei que teria que voltar a trabalhar tão cedo.

Trabalhar? Mas já? Ele praticamente acabou de chegar! Ele não pode ir agora! Agora que estou finalmente conseguindo viver um pouco, graças à presença dele.

- Filha, não faz essa cara de choro, por favor.

Pisquei, mas não chorei. Eu queria, mas não fiz. Meu pai iria me deixar sozinha de novo agora? Em um momento que mais preciso dele.

- Mas pai, não vá.

- Eu não posso, filha... - ele respirou fundo - vou ganhar um bom dinheiro, e você e as meninas precisam de dinheiro para o carro.

Carro? Que merda de carro? Eu não queria nada daquilo, eram aquelas duas que queriam. Eu só queria meu pai aqui! Era pedir demais isso? Eu queria gritar que não queria o carro, que queria ele aqui! Mas aquelas duas iam acabar comigo se eu fizesse isso, então só deixei as lágrimas virem.

- Não chore, filha - meu pai pegou meu rosto entre as mãos, limpando minhas lágrimas. - Não quero ver você assim, não agora que você parece tão bem.

- Mas pai...

Não deixei as palavras saírem porque queria gritar o que acontecia, que eu não estava bem nessa casa e que nunca estaria se ele não estivesse aqui, mas não fiz porque sou medrosa e porque ele não iria acreditar em mim de qualquer forma. Eu não tinha esse direito.

Joguei meus braços ao redor do pescoço dele e o abracei chorando, porque ia sentir muita falta dele e porque sabia que minha vida ia voltar a ser um inferno sem ele aqui. Meu pai me abraçou de forma delicada.

- Filha, por favor, não fique assim - me afastei dele e ele, mais uma vez, limpou minhas lágrimas. - Você é a pessoa mais importante para mim, e vê-la assim me machuca.

E por que ele não via as coisas que aconteciam aqui? Por que ele sempre se fingia de cego? Por que ele sempre me deixava?

- Você me promete que vai ficar bem?

Eu tinha que ficar. Não podia voltar atrás, estou longe demais para me afundar daquele jeito. Ainda não sei como fazer direito, mas vou fazer. Limpei as lágrimas que escorriam dos meus olhos e sorri para ele.

- Eu prometo.

E era verdade, eu tinha que ficar bem. Paloma e as gêmeas tinham que entender que o que elas faziam não poderia mais me afetar.

- Quando eu voltar, quero ver você no curso.

Eu ri entre as lágrimas. Meu pai acreditava finalmente em mim, e queria fazer isso acontecer. Eu ia dar o meu melhor para isso acontecer.

- Pode deixar.

- Agora vem cá abraçar o seu velho pai.

Joguei meus braços em volta do pescoço do meu pai e ficamos assim por um tempo. Sabia que ia demorar para ficarmos assim de novo. Meu pai é a pessoa que mais me importa e, graças a essa notícia, irei ficar mais uma vez longe dele, lutando ou sendo massacrada pela mulher e filhas dela.

ATORMENTADOS Onde histórias criam vida. Descubra agora