16• UMA AMIGA

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Clary Miller

Alguns dias trabalhando para os Paleny no canil me fizeram muito bem. O fato de não poder ver aquelas gêmeas e a mulher do meu pai já me fazia um bem, mas com isso passava pouco tempo com ele, o que me deixava mal de certa forma. Hoje sai o resultado do teste do Cisne Negro e eu espero realmente ter passado. Sinto um certo desconforto na minha barriga com o pensamento. Não pode ser ansiedade, eu não sinto isso.

Ri amargo porque acho que é ansiedade mesmo, mas que merda! Como do nada tenho ansiedade com algo que nem sei se realmente queria? Não sou competitiva nem nada, nunca fui, mas por que do nada parece que me importo com as coisas?

Acho que estou entre um abismo e estou caindo nele sem volta, porque depois de ter ido tão longe acho que não tem mais volta, e também não quero voltar. Estou gostando de quem estou me tornando.

- O que você está fazendo?

Uma voz doce me faz levantar o olhar da mesinha e vejo a Dani, com um sorriso enorme no rosto. Dani está de calça jeans e uma blusa de alcinha preta. O cabelo dela está em cachos lindos; o tom avermelhado a deixa ainda mais linda.

- Sua mãe me pediu para separar os papéis da adoção.

Ela riu e se inclinou sobre o balcão, se aproximando ainda mais de mim com um sorriso ainda maior no rosto.

- Não é isso que estou perguntando, bobinha - ela continuava com um sorriso enorme no rosto. - Você parecia pensar em alguma coisa.

- Ah - sorri sem jeito. - Não é nada.

Não tenho costume de sair falando dos meus problemas para os outros. Na verdade, nunca fui nem de conversar com ninguém sobre mim. Sempre fui invisível para todos, mas agora parece que as pessoas começaram a me enxergar de alguma forma.

Ela sorriu um sorriso encorajador. Coloquei os papéis na caixa que a mãe dela mandou e, quando achei que ela não ia falar nada, ela falou.

- Pode confiar em mim, tá? Ainda não sei dizer, mas gosto de você de alguma forma - ela continuava com o sorriso no rosto. - Algumas pessoas podem dizer que sou doida graças às festas.

Ri do jeito que ela falou e ela também riu. Com certeza já ouviu as gêmeas falando sobre ela nas festas, mas Dani parece alguém que não se importa com o que falam dela. Acho que não só ela, todos que andam com o Red são assim. Senti que posso confiar nela. Acho que algo em mim quer ter uma amiga e Dani parece a pessoa ideal para isso.

- Me inscrevi em um curso e preciso estudar para uma prova.

- Sempre fui péssima em provas - ela fez uma careta e ri. - Mas qual curso?

- Relações Internacionais.

- Curso bom. Aquele idiota se daria bem nesse curso.

Fiz uma cara de desentendida para ela, não entendi sobre quem estava falando.

- É o Red. Ele sabe falar inglês, italiano, espanhol e russo. O filho da puta sempre foi um gênio.

- Sério?

- Ah, sim - ela deu um sorriso curto. - Sempre tirava notas boas, segundo o Renan.

- Ele também usa muito a frase "seja a surpresa que ninguém espera" - completou ela.

Red sempre pareceu uma pessoa que entendia das coisas, mas saber pela Dani é como conhecer um Red diferente, alguém novo, mesmo que eu nunca tenha falado com ele, claro. Mas ele parece uma caixinha de surpresas para mim.

- Agora me diz, como vocês se conheceram?

- Ele me salvou de um ataque.

Ela me olhou com os olhos arregalados em surpresa e me olhou sério. Quando viu que eu não ia dizer que era brincadeira, ela finalmente falou.

- Deus, deve ter sido horrível.

Dei de ombros. Lembrar daquele dia é como um borrão, minha cabeça parece que não consegue focar em algo concreto.

- Tá tudo bem, ele não conseguiu fazer nada - ainda sentia a ânsia de vômito constante quando lembrava. - Só minha vida ficou fodida, o que já não é uma surpresa.

Dani deu uma pequena risada e os olhos dela brilharam; ela realmente parecia ter achado engraçado.

- Gostei de você. Realmente seremos amigas.

Amigas? Nunca tinha tido nenhuma amiga, mas sempre quis ter uma. Ninguém nunca quis ser minha amiga. Senti algo em mim como se quisesse explodir, me senti muito bem com o que Dani acabou de falar.

- Certo? - ela perguntou com uma sobrancelha levantada.

- Claro.

Respondi com um sorriso genuíno no rosto. Talvez tenha sido o destino que me trouxe até esse momento para poder finalmente encontrar uma amiga, se é que o destino existe mesmo.

- Preciso ir falar com a minha mãe. Depois conversamos mais.

- Tá bom.

Ela me deu um último sorriso antes de seguir para a área dos cães, onde Gabriela fica a maior parte do tempo, cuidando dos cachorros.

Uma amiga. Finalmente tinha encontrado uma amiga. Ainda não acredito nisso. Por que eu pareço tão feliz com a ideia, sendo que sempre falei que não me importava? Sou uma grande mentirosa, é isso.

Mas nada para mim nunca foi fácil. Nunca tive amigos e sempre quis ter. Tinha a curiosidade em mim de saber como é ter um amigo, mas com os rumores que se espalhavam com o vento, não era nada fácil. No começo ainda tentei fazer amizades, mas no final ninguém queria ficar perto de mim. Comecei a entender e me afastar, não fazendo questão, ou era o que eu achava.

Suspirei. Estou quase chegando no estúdio de balé. Vim direto para cá do canil. Nunca fui de ter ansiedade, mas parece que agora ela está constante em mim como uma marca na minha pele.

Antes não me permitia fazer nada, nem viver nada, então não tinha ansiedade. Agora... Vivo constantemente com esse sentimento.

Assim que entrei no estúdio, algumas garotas olharam para mim com uma cara feia, e algumas delas olham o papel na parede.

Ignorei-as e caminhei até o papel, vendo algumas mensagens que se apresentaram em grupos, e no final da lista está o meu nome, aprovada para o Cisne Negro.

Abri um sorriso genuíno e senti meu coração batendo mais rápido no peito. Eu queria gritar de felicidade, mas os olhares não me permitiam.

Agora, com o resultado da aprovação, percebi o quanto eu queria passar, para provar a mim mesma que eu consigo. Eu consigo.

- Clary - me viro e vejo Teresa parada ao meu lado com um sorriso enorme no rosto. - Parabéns.

Sem perceber, me joguei nos braços dela, ainda com um sorriso no rosto.

- Obrigada, isso é tão incrível.

- Sabia que você ia adorar.

Teresa está com um sorriso enorme no rosto e, quando volta a me olhar, o olhar dela brilha em orgulho. Teresa sempre foi como uma tia para mim; ela é uma das poucas pessoas que querem realmente a minha felicidade.

- Tenho que te agradecer, Teresa. Isso é tudo graças a você.

- Você não tem que me agradecer - ela deu um sorriso curto. - Isso tudo é graças a você.

Mesmo assim, Teresa foi quem mais insistiu para eu poder participar da apresentação de balé. Isso não seria possível sem ela. Alguém a chamou, ela deu um pequeno sorriso.

- Preciso ir. Nos falamos depois?

- Claro.

Parece que tudo na minha vida resolveu dar certo, ou começou a dar finalmente. Parece que Deus me mostrou que tenho que continuar tentando, e é isso que eu vou fazer.

Agora só falta eu passar na prova que estará tudo completo para mim: apresentação, trabalho e um curso. Poderia finalmente sair da minha casa e viver sozinha, mas somente depois que terminar a minha faculdade.

Para isso, antes preciso passar na prova. Quando terminei a escola, não pensei em continuar nada, em estudar. A última coisa que pensei foi em continuar estudando e, agora, eu teria que fazer uma prova da qual meu futuro dependia.

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