02 - hema

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⛧╾──╼⛧
SAM

— Você me escutou?

Corri atrás da minha mãe. Ela estava atravessando o estacionamento a passos largos, e só a alcancei quase no carro.

Parada na frente da porta do carona, ela me olhou com dureza, mordendo as bochechas a ponto de parecerem ocas.

— Sam, abra o carro.

— Eu passei para Harcote — repeti.

— Eu escutei da primeira vez. Por favor, abra o carro.

— Você não tem mais nada a dizer? — insisti, segurando a chave no punho fechado. — Nem "Parabéns, Sam, minha única filha, por passar para um dos colégios mais concorridos do país?".

— Sim, Sam, parabéns por se candidatar em segredo depois de eu explicitamente mandar você não fazer isso. Com esse comportamento, é claro que te aceitaram.

As palavras dela me machucaram — muito —, mas o pior era a expressão em seu rosto, uma raiva severa que indicava que ela só dissera uma fração de tudo que estava pensando.

— Não entendo — gaguejei. — Achei que você ficaria orgulhosa de mim.

O calor que emanava do teto do carro ondulou no rosto dela quando ela voltou a me olhar.

— Sempre fico orgulhosa de você, Sam. Mas não vou te mandar para Harcote. Agora vamos, o dia foi longo, e eu estou cansada.

De repente, um choque de raiva me atingiu, rasgando a mágoa e a confusão do momento anterior. Cansada, é mesmo? Quem diria! Eu estava cansada. Cansada de trabalhar naquela lanchonete idiota, de servir pessoas cem vezes mais ricas do que eu jamais serei, sendo que poderia ter arranjado um estágio ou feito algum curso de extensão que cairia bem no currículo para a faculdade e, no futuro, uma pós em direito; cansada de me preocupar com dinheiro e com Hema; cansada de me sentir como se fosse a única vampira de menos de um século de idade em toda a Califórnia.

Estava cansada de desejar mais e nunca conseguir, e cansada de temer que minha vida fosse ser sempre assim — que, pelo resto da minha imortalidade, nada nunca melhoraria.

Trinquei os dentes, mas obedeci. Dirigi o carro até em casa no que eu esperava ser um silêncio devastador. Um prelúdio calculado para a briga que teríamos quando chegássemos. Na minha cabeça, imaginei cem discussões diferentes, fazendo estratagemas dos melhores ataques e de como me esquivar de sua defesa. Esperei a porta do apartamento fechar e ela pendurar o casaco para começar.

Fui firme, racional, controlada.

— Sei que já estamos quase no fim das férias, mas eles me ofereceram uma bolsa integral. Cobre todas as mensalidades, o alojamento, as refeições, tudo .

— Isso não muda o fato de que você mentiu para mim.

— Tecnicamente, eu não menti. Você nunca perguntou.

Ela bufou.

— Que estúpido da minha parte nunca perguntar se você estava se candidatando a internatos em segredo.

— Tá. Eu me candidatei escondido, e isso foi errado — concedi. — Mas a situação agora é que fui aceita, e não precisamos nem pagar. Talvez desse até para economizar algum dinheiro se eu estivesse na escola com tudo pago.

— Não é só pelo dinheiro, nem pelo momento, que, francamente, é ridículo. Não quero que você estude em um internato, especialmente em Harcote. Só vampiros, sem humanos. Quero que você conheça um mundo maior do que esse.

SANGUE FRESCO, billie eilishOnde histórias criam vida. Descubra agora