06 - lunchbox friends

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⛧╾──╼⛧
SAM

No quarto, temporariamente livre de Billie, comecei a andar em círculos. Não conseguia me acostumar à ideia de dividir aquele espaço com Eilish por um ano. Eu podia estar escovando os dentes: Billie. Escrevendo no diário: Billie. Estudando cálculo: Billie de novo. Seria que nem viver assombrada por um fantasma projetado especificamente para me impedir de esquecer justamente aquilo que eu queria deixar para trás ao vir para Harcote. Eu só podia torcer para ela ficar de matraca fechada quanto à minha família e me permitir seguir em frente.

Eu já não tinha mais tempo sobrando para surtar. A reunião da residência começaria em poucos minutos e, logo depois, seguiríamos para o primeiro Jantar Formal do ano. O código de vestimenta dos jantares era "semiformal elegante". Eu não sabia bem o que queria dizer, mas não fazia diferença. Remexi no armário, em busca do que o Benfeitor arranjara. O que encontrei foi preto.

Muito preto.

Tirei os vestidos do armário e os joguei na cama. Não tinha nada de errado com eles exatamente. Alguns eram perfeitamente adequados, se eu fosse uma bibliotecária deprimida, ou alguém muito obcecada por tarô. Levantei um monte de renda preta e passei dois minutos tentando encontrar as mangas antes de desistir. Outros eram inteiramente de outra era. Um deles tinha um espartilho de verdade, e parecia o uniforme de uma carpideira. Outro parecia perfeito para um teste de dublê da Elvira.

Franzi a testa olhando para a pilha de tecido escuro. Em casa, eu quase nunca usava preto. Como deveria escolher, se nada daquilo era a minha cara?

Peguei um dos vestidos que me parecia menos bizarro, vesti e me olhei no espelho. Eu parecia uma dama de honra sombria no casamento de Satanás. Abri a boca e tentei soltar minhas presas. Os incisivos estavam crescendo quase imperceptivelmente quando ouvi um rangido nas escadas e fechei a boca. Eu não deixaria Billie me ver assim, insegura e vulnerável. Esperei ela irromper no quarto, um turbilhão, como fizera mais cedo.

Mas não havia ninguém na escada.

De repente, senti tanta saudade da minha mãe que foi quase insuportável. Queria contar a ela sobre Billie, sobre como eu me sentia deslocada e assustada, e ouvi-la me garantir que eu era capaz daquilo.

Eu só não confiava mais nela para tal.

A situação entre a gente tinha ficado horrível desde a noite em que voltei do Donovan e disse a ela o que tinha feito. Eu esperava que ela acabasse cedendo e aceitando minha decisão, mas isso nunca aconteceu. Mal discutimos o fato de eu estar indo embora. Na verdade, mal conversamos. Ela nunca antes me tratara com tanta frieza. Afinal, só tínhamos uma à outra.

Quando finalmente nos despedimos na fila da segurança do aeroporto hoje de manhã, foi quase um alívio. No último abraço, parte de mim não queria soltá-la. No entanto, o ressentimento continuava ali, que nem uma coceira incômoda. Era ela o motivo para eu precisar fazer aquilo sozinha. Quando nos afastamos, ela tentou ajeitar uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, mas me desvencilhei.

— Prometa que não vai se esquecer de quem é — disse ela.

— As pessoas mudam, mãe — respondi. E então me virei e fui embora.

Que diferença fazia minha mãe achar ou não que eu era capaz daquilo?

Era o que eu estava fazendo, de qualquer jeito.

Eu me forcei a respirar fundo e endireitei os ombros para ajeitar o vestido.

Harcote era minha chance. Eu tinha apostado tudo. Tinha queimado minhas amizades e jogado uma granada no relacionamento com a minha mãe. Precisava que desse certo.

SANGUE FRESCO, billie eilishOnde histórias criam vida. Descubra agora