A figura de Rossetta Gouthier parecia reluzir em meio à noite de Nova York.
Com um vestido dourado resplandecente, coberto por pedrarias ao longo de toda sua extensão, nem mesmo a Times Square com todos os seus telões poderia se comparar ao deslumbre que era a drag queen à sua frente. Rossetta a encarava com os olhos arregalados, sua expressão ainda mais acentuada pelas sobrancelhas maquiadas em um arqueamento excessivo. Em suas pálpebras, uma maquiagem dourada com preto esfumado fazia Cassie relembrar dos deuses do mundo clássico, deuses belos e resplandecentes, mas igualmente esquivos e imprevisíveis.
Rossetta abriu e fechou diversas vezes os lábios fartos preenchidos por um batom vinho, mas som algum se ouviu. Infelizmente, Cassie se encontrava na mesma situação. De repente, todos os discursos e declarações que havia planejado pareceram se esvair de sua mente e memórias dos livros sobre arte clássica emergiam em sua consciência. Nem mesmo Apolo, com todo seu brilho e ouro, conseguiria evocar em Cassie a sensação de acordar e abrir os olhos para vislumbrar os primeiros raios de sol da manhã. Se ao menos possuísse o mínimo de relance artístico em suas veias, seria capaz de expelir poemas e canções sobre a figura a sua frente.
Mas Cassie não era nenhum Virgílio, tampouco Homero.
Por isso, só lhe restava permanecer paralisada no lugar, admirando de longe, pedindo por um pouco da coragem de Ícaro para se lançar no mar e romper os céus em busca do sol...
-Senhora, se não estiver em necessidade de algo, poderia retornar, por favor? - A voz do recepcionista lhe alcançou, despertando-lhe do transe. - Estou tentando fazer o meu trabalho.
Cassie piscou algumas vezes, buscando se orientar novamente e focar na situação a ser resolvida. Logo voltou-se para ele e ergueu a mesma máscara de profissionalismo que exibia no trabalho.
-E eu estou aqui para ajudá-lo com isso. – Cassie respondeu, apontando para Rossetta. - Por que essa moça ainda está aqui fora, no frio, e não na festa?
Ele apenas deu uma risada sarcástica.
-A senhora está brincando, não é? – Apontou para Rossetta. – Isto não é uma moça. Nem sei o que ele está fazendo aqui...
Rossetta também voltou a si e, enchendo-se de fúria, inspirou profundamente e agarrou a prancheta na mão do recepcionista com força, praticamente cravando as unhas postiças vermelhas no papel.
-Meu nome está nessa lista, como eu já lhe disse mil vezes. - Disse por entre os dentes cerrados. - Também tenho a porra do convite e vou entrar nessa festa.
-E eu lhe deixaria entrar se estivesse usando o traje adequado, Senhor Gouthier. - O recepcionista enfatizou enquanto puxava a prancha do aperto de Rossetta e a empurrava com o braço livre. - E acho melhor não testar minha paciência ou serei obrigado a lhe retirar daqui a força.
Cassie viu o momento em que os olhos de Rossetta se estreitaram na direção do recepcionista e percebeu que a situação estava prestes a sair do controle. Depois lidaria com as consequências, só não podia deixar esse impasse tomar proporções maiores do que precisava. E só conseguiria fazer isso com Adrien bem longe dos olhares recriminatórios.
-Mas veja bem... - Cassie prosseguiu, se enfiando entre ambos. - Ela está sim com o traje adequado.
O recepcionista crispou o lábio diante de sua afirmação.
-Claro que está! - Cassie caminhou um pouco até parar ao lado de Rossetta. – O código de vestimenta da festa é traje de gala. E, para ser honesta, acho que ela ainda está mais adequada do eu...
-A senhora não está falando sério... – Ele murmurou, passando a mão pelo rosto. - Senhora. Ele claramente não está usando os trajes adequados e eu não vou deixá-lo entrar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Je T'aime
RomanceCassie trabalha em uma agência de advocacia, onde possui o emprego dos seus sonhos. Tudo em sua vida estava na mais perfeita ordem até surgir o filho mimado do seu chefe com uma proposta de viagem à Paris por duas semanas. Incapaz de recusar, a adv...