Capítulo 20

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AS FOLHAS MORTAS
Jacques Prévert


Ah! eu queria tanto que você se lembrasse
dos dias felizes em que éramos amigos
Naqueles dias a vida era mais bela
e o sol mais ardente do que hoje
As folhas mortas recolhem-se com a pá
As lembranças e os lamentos também
E o vento do norte os leva ainda além
na noite fria do esquecimento
Ah! você está vendo, eu não esqueci
a canção que você cantava pra mim

É uma canção que se parece com a gente
Você me amava e eu te amava
e nós vivíamos juntos os dois
você que me amava e eu que te amava
mas a vida separa aqueles que se amam
assim bem de mansinho, sem fazer ruído
e o mar apaga na areia
os passos dos amantes desunidos

As folhas mortas recolhem-se com a pá
As lembranças e os lamentos também
Mas meu amor silencioso e fiel
à vida agradece e sempre sorri
Eu te amava tanto e você era tão linda
Como pode querer que eu te esqueça?
Naqueles dias a vida era mais bela
e o sol mais ardente do que hoje
você era a minha doce amiga
mas nada posso fazer senão lamentar
e a canção que você cantava
eu sempre, sempre vou escutar

Dois dias antes:

Sua moto parecia rugir ao deslizar sobre o asfalto quente da rodovia.

Mais de duas horas já haviam se passado desde que Adrien partira de casa sem a menor intenção de voltar. Achou que distanciar-se do problema aliviaria a pressão do desgosto que travava sua garganta e lhe embrulhava o estômago vazio. No entanto, sua mente parecia dar voltas ao redor do mesmo par de olhos marejados que lhe encararam durante a discursão, não importava o quanto tentasse ou lutasse para esquecer tudo o que viveu nas últimas duas semanas.

Principalmente porque, mesmo que tentasse odiá-la com todas as suas forças, só o que havia ainda era o mesmo sentimento de ternura que sentiu ao vê-la chorar em seus braços durante a noite na cobertura. E isso apenas servia para lhe mostrar o quão idiota fora por acreditar nela e se deixar levar por aquela fantasia, por ter confiado e acreditado por um único instante que aquela relação fadada ao fracasso possuía algum futuro.

E agora não havia ninguém para culpar exceto a si mesmo.

Adrien sentia a garganta fechar e os olhos voltarem a lacrimejar. Logo trincou os dentes para conter as lágrimas e passou a marcha da moto para aumentar a velocidade, fazendo o motor roncar ainda mais alto e chamando atenção de alguns motoristas da rodovia. Um movimento rápido e arriscado e cortou com um carro à sua esquerda. O motorista buzinou, indignado, mas ele pouco se importava. Só o que havia eram seus pensamentos e o vento forte que liberava arrepios por toda sua pele e fazia sua velha camisa tremular em seu torso.

Ainda recordava claramente dos momentos da noite anterior, onde tudo era perfeito e só o que a havia era a mulher imponente e orgulhosa se desfazendo nos lençóis desarrumados de sua cama. Entre arquejos e gemidos, ela confessou a única coisa que Adrien não estava esperando:

Eu te amo, Adrien.

Ainda podia ouvir claramente o tom sôfrego e oscilante com que as palavras deixaram seus lábios vermelhos e inchados, liberando calafrios por todo seu corpo. Do olhar terno e vacilante que afastavam qualquer sinal da altivez que tanto costumava impor. Recordava das mãos gentis que brincavam com os fios de seus cabelos, prendendo-o a si enquanto lhe encarava com os olhos marejados de expectativa. Os fios negros de seu cabelo, bagunçados e desordenados pela forma com que se contorcia na cama diante de seu toque, enquanto ela abria as pernas cada vez mais para recebê-lo de bom grado. Sem pudor, sem receio ou hesitação. Apenas os dois importavam naquele instante e a forma com que Cassie gemia seu nome era uma experiência quase divina.

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