37 | pain.

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A coluna inteira de Taehyung arrepiava-se quando, vez ou outra, a sensação da lâmina atravessando sua carne voltava à memória. No fundo, era estranho pensar que ele ainda estava vivo, porque tivera certeza de que morreria. Fora a dor mais profunda e dilacerante que ele já sentira, e nem mesmo a adrenalina do momento fora capaz de amenizar o impacto da queimação que borbulhou e pareceu perfurar seus ossos. Fora como se aquela sensação da sua pele sendo rasgada não fosse capaz de sumir nunca mais.

Contudo, quando pensava no que o angustiou mais naqueles minutos em que achou que encontraria a morte, sem dúvida, fora o desespero de morrer sabendo que nunca poderia consertar seus erros.

Talvez fosse isso que as pessoas tentavam explicar quando diziam que, no momento em que assistem ao seu último suspiro, um filme passa pela cabeça. Quando se encara a morte de frente, tudo o que se deseja é poder reparar as feridas do próprio coração; seja sobre um erro, sobre alguém ou sobre si mesmo. É como se, finalmente, ele entendesse que a vida não é finita, que o tempo não está sob seu controle, que todo o seu ódio, seu orgulho, sua frieza e falta de coragem não significam absolutamente mais nada.
Ele pensou: acabou? É assim que iria morrer? E então ele só desejou poder fazer o que deveria ter feito. Só queria abraçar quem deveria ter abraçado. Dizer as palavras que há muito permaneciam algemadas em sua garganta e retirar aquelas que jamais deveriam ter sido ditas.

Quando ele tinha quinze anos, lembrava-se de desejar morrer muitas vezes. Sentia tanta falta da mãe que tudo o que queria era cessar aquele sentimento sufocante. Sabia que alguém em algum lugar do mundo entendia a sensação horrível de, simplesmente, não ver sentido em continuar a seguir. Sabia que nunca mais a veria, e isso era o suficiente para fazê-lo pensar: por que ele continuava ali quando a pessoa mais importante da sua vida se fora com tanta dor e sofrimento?

Ele custou muito a compreender que não era a morte que fazia parte da vida, mas sim a vida que fazia parte da morte; ambas se pertenciam, como as nuvens ao céu e o mar à terra. Ele custou a entender que as pessoas faziam coisas ruins com aqueles que amava — como seu pai havia feito com sua mãe —, e que não tinha controle sobre isso, mas que no fim, cedo ou tarde, como um bumerangue, tudo retornaria a elas, e que não precisava sujar seu coração odiando, remoendo e cultivando o rancor, pois tudo isso era como uma bomba de veneno que não machucaria mais ninguém além dele mesmo. Ele custou a entender que não podia controlar nada ao seu redor, e que a vida era curta demais para que buscasse justiças que viriam sozinhas com o tempo.

O tempo não cura. Mas ele conserta.

Ele pensou exatamente nisso quando Yoongi entrou no quarto e contou que Hanseok estava morto. Ele não ficou feliz, mas também não lamentou. Hanseok havia espancado seu irmão até seus miolos se espalharem na terra; foi o que pensou quando sua tia Go disse o quão infeliz seu pai parecia estar com a nova família; foi também o que ele pensou quando dias se passaram e Jeongguk não veio vê-lo.

Mesmo frustrado, ele entendia. As coisas que ele havia feito não se apagariam tão facilmente. E suas palavras, mandando-o sumir de sua vida, talvez ainda fossem válidas e, mesmo que não fossem, ele sabia que ainda sim era o melhor a ser feito. A dor que causaram um ao outro ainda pulsava. Ainda assim, depois de ter uma faca enfiada no peito e a lembrança dos olhos tempestuosos de Jeongguk se perdendo na escuridão de sua consciência, não havia nada que ele desejasse mais do que poder encontrá-los novamente.

— O médico disse que agora que você não está mais entubado, se tudo correr bem, em uma semana você pode ir para casa — avisou Go, trazendo seu sorriso gentil e um copo de café nas mãos. — Pensei em passar esses dias aqui para cuidar de você. Depois, volto para Suwon para ficar com o Namjoon.

Ele ajustou-se na cama, pegando a mão dela que pousou sobre sua perna.

— Tia, eu já disse que agradeço muito por você estar aqui, mas eu já não corro mais riscos e Namjoon precisa mais de você do que eu.

Nebbioso (taekook)Onde histórias criam vida. Descubra agora