TRINTA E OITO

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Eu estou dentro do corpo de Yur e Ciro Kobayashi está bem ao lado dele. O troliano pega a mão dele (a minha, de certo modo, apesar de eu não sentir o toque) e beija a ponta do dedo machucado.

— Não foi profundo — Yur diz com a voz trêmula e Ciro o encara. Seus olhos parecem diferentes, mais profundos e escuros. Há algo neles, como se eu estivesse observando um buraco negro.

Eu não sinto o que Yur sente, mas capto relances de intenções dele.

A luz fraca do quarto cria sombras no rosto do troliano e uma tensão se eleva entre os dois.

— Você pode devolver minha mão? — Yur sussurra.

Ciro a observa por alguns segundos e então a solta. Parecia que nem ele tinha se tocado do que fez, mesmo que fosse bem prudente e sagaz em cada escolha que fizesse.

— Por que veio ao meu quarto? — Ciro pergunta esticando a boca em um sorriso torto e Yur ajusta o corpo e se senta.

Ele não o responde, apenas abaixa os olhos. As mãos tremem de leve. Ele está contendo algo dentro de si e minha visão embaça um pouco. Parece o vidro de um carro durante a chuva.

Ele está chorando?

Ciro eleva a mão direita e ergue o rosto dele em sua direção. Ele é um médico examinando um paciente. Sério e resoluto, vira a cabeça de Yur de um lado para o outro, até que estamos olhando em direção ao teto do quarto e em sua direção.

Ciro, então, faz o impensável. Ele se senta em cima de Yur. Seu joelho tocando em cada lado do quadril do outro. E eles continuam se encarando.

Eu tento me empurrar para fora disso. Não quero ver isso. Não quero atrapalhar—

— Por que veio ao meu quarto, Yur?

— Por quê? você diz... — a voz de Yur sai rouca.

— Sim, — Ciro aperta seu queixo — Você me deseja?

O embaçado dos olhos aumenta novamente. Ciro segura a lágrima que cai dos olhos de Yur com a ponta de seus dedos e a lambe. Ele lambe uma lágrima de Yur.

Como eu saio dessa visão? É tão pessoal... Eu estou travada neles. Eu não consigo me mexer. Não consigo desligar essa coisa.

— Eu preciso que você me diga — Ciro se aproxima mais.

— Não. Eu não posso.

— Por que isso te faria um traidor da sua pátria? Uma escória? Me desejar é ver seus pesadelos se materializando bem em frente aos seus olhos, né?

Yur toca no rosto dele com ambas as mãos segurando forte o bastante para esmagar um pouco suas bochechas e Ciro mostra os dentes.

Eu vejo os olhos do Troliano brilharem estrelas no buraco negro. Talvez isso seja ilusão de Yur. É a metamorfose de como ele o enxerga. Efeitos especiais do subconsciente dele que chegam a mim como os efeitos de um filme.

— Você não me ajuda fazendo isso — diz Yur.

Ciro gargalha e o empurra em direção ao travesseiro. Estou em uma montanha russa. A cabeça de Yur afunda na maciez do lençol de seda.

— Você que veio até aqui. Você que entrou por minha porta. Você que se deitou na minha cama. Se tem alguém que não está se ajudando é você.

— Eu vim pedir desculpas por ter cortado seu braço e...

Ciro arqueia uma sobrancelha e ergue o braço na frente dos olhos dele.

Os olhos de Yur passam da faixa que cobre o braço de Ciro para os olhos dele novamente.

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