No cair da noite descobri como Orlean tinha lidado com o nosso problema com o guarda. Não havia mais guarda. Eu teria que perguntar a ele como convenceu os elfos a diminuírem a supervisão naquele setor, logo no corredor da Sala de Armas, onde um espião poderia usar de bom grado para conseguir armamento e matar inúmeros elfos enquanto eles apenas dormem.
Claro, pensar isso me fazia suspeita até demais. Sorte que ninguém lia meus pensamentos.
Mas, sou uma prisioneira acima de tudo, então não posso fingir que não pensei nisso, em roubar algo para me proteger no futuro caso alguém tentasse algo contra a mim.
Abro a porta da sala e Orlean está parado ao lado da entrada que dá para o auditório ou sala de treino. Há mais velas aqui do que ontem e não precisamos falar tão baixo assim já que não há ninguém nos corredores próximos.
— Como você conseguiu? — pergunto ainda em extâse por ter andado até aqui só passando por Moriar que como guarda é péssimo, pois sempre está dormindo sentado.
— Convenci Aland que uma outra sala merecia mais atenção.
— E qual seria?
— A sala do tesouro de Pierre Carvalho. Você não conhece.
Assinto. Não vou perguntar o que tem lá. Não importa. Deve ser cheia de moedas de ouro, joias e talvez um dragão. Risos. Versen, ou melhor, a cidade de Duvia era realmente um tanto estereotipada demais na minha cabeça.
— E conseguiu a pessoa para me treinar? — não perco tempo.
Orlean passa uns segundos em silêncio.
— Sim.
Coloco minha mão sobre a maçaneta da porta da sala de treino, mas sua voz brusca me para.
— Alissa, — sua mão segura a porta — não se assuste com ela. É um pouco severa, mas é muito boa com luta de espada.
Franzo o cenho. Ela.
Ele espera que eu assinta novamente e então solta a porta como se o objeto fosse me atacar, um cuidado tremendo. Eu giro a maçaneta e a empurro.
— Não vai entrar? — minha voz quase falha quando encaro o lado de dentro.
— Sua instrutora não acha conveniente estarmos no mesmo recinto visto o nosso passado... conturbado.
Eu entro na sala de treino e sim... É ela. Seus cabelos longos e ruivos presos brilham nas luzes acima de sua cabeça. Ofélia está usando uma armadura preta, não muito pesada, mas ainda assim de proteção.
No refeitório ela parecia menos séria, bem mais gentil, mas talvez fosse sua feição para Baryn. Ela olhava para Baryn como se o mundo todo encolhesse e estivesse bem ao seu lado, mas para mim ela deixa reservado o olhar fatal da família de Aland.
— Então... — ela diz erguendo o queixo — É você que quer aprender a lutar com espadas?
— Sim.
— Suba aqui, garota. — sua voz parece com as flechas disparadas por Orlean.
Suspiro e subo a pequena escada que fica ao lado do palco, um passo de cada vez.
— Antes de começar eu quero saber, — seus olhos abaixam na direção de todo o meu corpo — o quão forte você é?
— Em que sentido? — faço de tudo para que minha voz não falhe ao estar sendo analisada dessa forma.
— Você sabe quantos quilos aguenta em seus braços?
Ofélia está com uma espada nas mãos. Uma espada grande com detalhes vermelhos, mas pelo jeito que ela segura, com uma tensão na ponta dos dedos que os deixa brancos sem circulação, sei que essa espada deve pesar... muito.
— Bem, menos do que você definitivamente. — Os braços de Ofélia não chegam a ser grandes, mas parecem bem fortes. Malhados, sabe.
Ela com certeza conseguiria carregar eu e Orlean um em cada braço. Tenho vontade de rir imaginando a cena, mas tenho medo que Ofélia pense que estou a provocando, porque eu definitivamente não iria querer isso ou acabaria morta.
Será que ela já carregou Orlean?
Estou querendo me encabular sozinha pensando nisso, então foco em seu rosto sombrio para dispersar esse fato de minha mente.
Ela dá um suspiro pela minha resposta.
— Certo. Já que é fraca vou pegar uma espada sem corte para que você treine seus movimentos. Quando conseguir mexer seus braços melhor aumentaremos o peso da espada até que você consiga segurá-la com maestria.
Ela ergue a espada vermelha como se para indicar o final do caminho que eu deveria trilhar.
— Mas, só pra você tirar qualquer ideia de sua cabeça, essa espada não irá ser sua. Há outras tão pesadas quanto a Dente de Dragão. Essa é minha e apenas minha.
— Tudo bem... Não se preocupe. Eu não sou ladra de espadas.
Ofélia dá um risinho e me sinto vitoriosa o bastante só por ter feito os músculos do seu rosto mudarem.
— Seu treino será árduo. — ela destaca — Acha que consegue aguentar?
— Eu tenho que aguentar. Não há muitas formas de provar capacidade por aqui.
Ofélia balança a cabeça em concordância, mas seu olhar é curioso.
— Tenho a impressão que está se divertindo. — ela diz e eu engulo em seco. Nem sei se isso é uma coisa boa — Pode ir já dizendo adeus ao sorriso do seu rosto que a dor será sinal de que está evoluindo.
E eu sei a partir daquele momento que meu treino com Ofélia não será nem um pouco como eu imaginava. E sim mil vezes pior.
Saio da sala quase caindo de cansaço. Orlean está olhando uma espada atrás de um vidro mais adiante. Minha respiração está profunda e estou um pouco tonta já que não estou acostumada com o treino. Meu coração acelerado. Ofélia me fez ficar repetindo golpes com a espada sem parar. De cima para baixo, de um lado para o outro, posições de pé e perna e me ensinou a golpear um pedaço de madeira que hipoteticamente era para ser uma pessoa.
Sei que errei muito, pois seu olhar não trazia nem um pingo de felicidade.
Pelo menos ela não desistiu de mim.
Olho para a espada ao lado de Orlean, parando ao seu lado, ombro a ombro.
— O que tem de tão interessante nela? — digo, forçando um sorriso, porque agora tudo o que eu mais quero é cair em minha cama depois de um belo banho.
O elfo pisca.
— Ela? — ele se vira para mim.
— A espada.
— Ah. A espada. — Ele coça a nuca — Eu, na verdade não estava presente fisicamente.
— Estava viajando na sua cabeça? — pergunto sentindo minha garganta coçar.
— O treino passa muito mais lento quando não se está treinando — ele afirma.
Orlean tem cílios da cor dos cabelos. É a primeira vez que percebo. Não que eu não soubesse que seus cabelos eram naturais, muita coisa aqui parece natural, mesmo na Terra sendo na maioria das vezes artificial.
Ofélia passa pela porta nos interrompendo e Orlean parece que está quilos e quilos mais pesado. Ele encolhe o corpo e encosta na parede tampando a respiração.
— Boa Noite, Alissa — ela mexe a cabeça em um adeus, olha uma vez para Orlean e sai.
O relacionamento deles não parece ter terminado tão bem assim. Sinto um nó se formar em minha garganta porque sou uma intrusa, mas não é como se Ofélia não tivesse seguido em frente qualquer fosse o caso.
Eu queria muito perguntar o que houve, porém não tenho coragem e nem intimidade para isso.
— Estou indo — sussurro e Orlean não me impede.
— Boa noite — ele diz e eu olho para trás para respondê-lo, mas o elfo já havia se trancado na sala de treino.
Orlean não dorme nunca e principalmente agora que estou tomando seu tempo e espaço.
Espero que ele fique bem, de verdade.

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O Portal para Versen
FantasiaAlissa Ribeiro trabalha como funcionária numa das maiores redes de fast food de sua região. Entediada com a vida rotineira e sendo sempre alvo de provocações de um de seus colegas de trabalho, Alissa se incomoda com a falta de perspectiva de uma vi...