TRINTA E SETE

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Volto ao quarto quando o sol já estava para se pôr e Ciro havia convidado todos para um jantar não obrigatório, o que eu encaro como uma deixa para me servir à vontade e comer no quarto ao invés de ficar no salão com todos.

Pego dois pães, alguns vegetais, uma fatia de queijo vegano e um copo de chocolate quente puro antes. Guilhermina não ia voltar tão cedo já que estava ocupada demais conversando com Hannah em uma das mesas.

Mordo um pedaço de pão no chão ao lado da minha cama.

— Agora... Agora é um bom momento... — digo olhando embaixo da cama com o pão na boca e puxo minha mala de viagem. Porém, antes de abri-la coloco minha caneca vazia de chocolate na fechadura da porta. Caso alguém fosse abrir eu iria ouvi-la caindo no chão.

Não posso correr riscos.

Abro a mala.

A coroa continua lá parecendo um chapéu devido a poção. Eu nunca consertei muitas coisas em casa, mas tive que trocar uns fios de uma lâmpada uma vez e já me aventurei em consertar brincos e pulseiras de ferro com um alicate.

Espero que essa coroa não seja muito difícil.

Jogo um frasco pequeno da poção para reverter a ilusão em cima e o chapéu se desfaz como uma alucinação que some num piscar de olhos. Pego a coroa com cuidado. Ela é pesada. Não como as espadas que eu treinei, mas me lembra o peso de um livro de quatrocentas páginas. Arrasto meus dedos sobre sua superfície áspera. Me lembra uma placa mãe de computador, mas feita de ouro.

Não sei se isso me faz ficar feliz ou triste.

Minha mãe mexia com computadores quando eu era mais nova, ela e meu pai jogavam jogos de videogame. Eu realmente não sei o que aconteceu para eu acabar parando em uma quitinete com um trabalho em um fast food. Meus pais não eram ricos, mas acho que eles nunca iriam se opor a cuidar de mim até que eu pudesse andar com meus próprios pés. Eles entenderam até o fato de eu ser trans...

Acho que eu só tinha medo de não ter nada e não ser nada.

E viver com eles, mesmo com todo amor e compreensão, ainda me guiavam a um caminho que me levava a nada.

Foi por isso que fiz uma faculdade que não queria. E no fim, ainda continuava sendo nada.

Eu sou formada de pequenas coisas que amo e que meus pais também amam e me ensinaram a amar. Ainda tenho uma memória de infância relacionada a isso. Minha mãe parafusando uma peça dentro de um gabinete enquanto eu a olhava pela beirada de uma mesa colocando as mãozinhas na borda e ficando na ponta do pé para conseguir ver alguma coisa.

E agora estou vendo tão de perto algo muito parecido com algo que minha mãe consertaria rápido até demais e fico meio nostálgica. Se eu pudesse me comunicar com ela daqui talvez ela soubesse me dar alguma dica.

Pois bem... Não adianta ficar pensando nisso.

Volto a me concentrar.

Empurro uma trava na parte interna da coroa e descubro uma placa preta atrás dela.

— Para que serve isso?

Toco nela e encontro o que parecem ser micro agulhas. Não sei para que servem, mas estão localizadas na parte onde encosta nas têmporas de uma pessoa. Duas travas escondem duas placas, uma de cada lado das têmporas. Será que espeta?

— Bem, se é como um computador... Como que liga? — pergunto a mim mesma girando-a em minhas mãos.

Talvez achasse algum buraco para encaixar um fio ou algo do tipo. Mas onde conectaria? Com o quê?

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