UM

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Todos os dias parecem iguais.

Eu odeio rotina.

Amanda, minha colega de trabalho, diz que eu não devia reclamar pois pelo menos estou conseguindo dinheiro para pagar minha faculdade de engenharia a distância — mesmo que ela não seja exatamente o que eu queria e sim um sonho dos meus pais. Veja bem, eu preciso provar para eles que consigo ser alguma coisa nessa vida.

Vinte e cinco anos, né? Está na hora.

Talvez o fato de eu tentar agradar outras pessoas e não a mim mesma seja o motivo de todo o meu ódio pela minha realidade. Ou talvez, seja por causa de Tadeu Garcia que todos os dias queima meus neurônios lentamente da pior forma possível. Seu objetivo de vida é dirigir a mim ao menos três comentários passivo-agressivos por dia.

Mas, Alissa... Por que você não o denunciou? Bem... Meu patrão também não é uma das melhores pessoas do mundo. E quando digo que Victor (Meu chefe) não vai me ouvir de maneira imparcial estou sendo completamente sincera.

Primeiro, porque o Burger da Rainha, a rede de restaurantes que eu trabalho, faz um sucesso tremendo em todo o Brasil. Duvido muito que Victor iria querer seu nome nas notícias vinculado a uma das unidades denunciada por assédio moral com os funcionários.

Segundo, eu sou um tanto covarde. Mas assim, não posso me dar ao luxo quando Tadeu e Victor são amigos. Bem, mais amigos do que eu e Victor um dia seremos. E isso já o torna imparcial.

Então aguento as ofensas de boca calada, infelizmente.

Ajeito o boné azul dos funcionários no topo da minha cabeça. Ele tem uma pequena coroa dourada estampada nele. O suor escorre pelas minhas têmporas e nuca. Está calor demais. Amanda me passa dois sacos de lixo cheios de resto de comida estragada. O cheiro é péssimo. Eu faço uma careta.

— Você está encarregada do lixo agora pela manhã. — Ela diz tentando me mandar um sorriso de pesar. Sempre fazem essa cara para os encarregados do lixo.

Tadeu passa atrás dela rindo com a mão na boca.

Hoje ele está quieto, porém deve estar esperando a tardezinha chegar. Às vezes ele faz isso. Gerencia o tempo para me atormentar.

Suspiro segurando o lixo pela ponta amarrada e abro a porta que leva ao depósito de lixo externo usando as costas para empurrá-la. Há uma pilha de sacos pretos à direita. Eu ando até lá e jogo ambos os sacos no topo, eles deslizam vagarosamente de volta e param perto do meu pé, um deles ainda abre deixando um tomate rolar para fora e um cheiro azedo preenche meu nariz.

Que maravilha!

Os lixos ficam guardados atrás de uma longa grade, fechando o depósito em um quadrado perfeito. Victor diz que dessa forma os cachorros de rua não iriam rasgar os sacos e espalhar o lixo por todo lugar, o que já aconteceu algumas vezes. Ele abre a grade de noite para que seja recolhido pela companhia de lixo responsável, porém o tanto de lixo ao meu redor parece um acúmulo de dias.

Mas, deixe os homens de terno resolverem, não?

Essa empresa não é minha. Esse restaurante não é meu.

Giro os calcanhares em direção a porta do depósito e Tadeu aparece.

— Alguém deixou a porta aberta por nada. Só tem lixo aqui. — Ele olha bem nos meus olhos quando diz isso.

Eu sei exatamente por que ele me odeia, apesar de não falar com todas as palavras. Tadeu se protege ao não dizer em voz alta seus motivos, apesar de demonstrar escárnio através de seus atos.

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