QUINZE

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Estou deitada no tapete de Orlean. Ele é azul e felpudo. O elfo está no canto de seu quarto. Ele pegou um livro e o está folheando atentamente. As luzes do quarto não passam de várias velas postas sobre as mesas e parede, como em todos os lugares daquela casa. Nossos pratos estão agora vazios e esquecidos em uma pequena pilha distante.

Uma coisa eu tenho que colocar na cabeça... Apesar da magia existir naquele mundo só quem tem acesso a ela é o conselho e algumas poucas pessoas da área política, então usar magia para iluminar ambientes e limpar pratos não é possível.

Na sala do conselho é onde as coisas realmente podem ser vistas e farejadas. A magia tem um cheiro doce, ao menos a de Aland tinha. O que eu acho irônico já que de doce ele não tem nada. Ontem — já estamos na madrugada do dia seguinte, então já é domingo — fui em sua sala e não conversamos muito, mas eu era obrigada a ir lá para um interrogatório uma vez por semana.

Ele me perguntou sobre a minha família em Ziern e eu não inventei muita coisa. Contei que meus pais tinham uma cachorrinha basset chamada Cecília Meireles e ela era muito amada, mas para ele o nome não quis dizer nada, obviamente.

Aland só me ouvia e anotava tudo em um papel, talvez para usar contra mim mais tarde ou talvez para procurar meus pais e ver se estou mentindo. Ele vai descobrir mais cedo ou mais tarde que eu não tenho documento algum e nem meus pais já que não existimos nesse mundo perdido no tempo.

Estou ficando estressada por não conseguir dormir e por estar desconfortável com esse disfarce.

Espio Orlean com o canto do olho e ele levanta o rosto do livro na mesma hora. Ficamos nos encarando por alguns segundos.

— Desculpe. — Ele limpa a garganta.

— Pelo quê? — Pergunto.

— Estou te deixando com tédio, não é? — Explica — Tem horas que eu simplesmente não sei o que falar.

— Não tem problema. Que livro está lendo? — Pergunto mudando de assunto. O livro que ele segura parece interessante e não vou ficar culpando ninguém pela habilidade ou inabilidade de manter contato social.

Eu mesma também não sou tão boa assim, apesar de me virar muitas vezes. Sou curiosa demais quando quero.

As irmãs de Bersera de Hikari Yamamoto.

Salto do tapete.

— Você gosta desse livro?

— Ah... — ele vira o livro para olhar a capa. — Não sei? Roubei do quarto de Yur tem alguns dias. Estou bem no início ainda.

— Vai ter uma peça, sabia? — Meus dedos alisam os pelos do tapete que parecem nuvens.

— As irmãs de Bersera? Bem, então é por isso que Yur não para de falar dessa história desde que trouxe para cá. Acho que ele é mais fã do que eu, mas parece divertido. Yur com certeza vai fazer de tudo para ir assistir.

— Bem...

— O quê? — Ele coça o queixo.

Estou precisando de óculos ou estou vendo um leve rastro de barba prateada no queixo dele?

— Nada. — Desvio o olhar.

Não vou falar que tenho dois ingressos escondidos no meu quarto. Não agora. E eu nem sei se vou assistir mesmo sabendo do ultimato de Guilhermina. É impossível que eu apareça do lado de Orlean.

Volto a encarar o teto de seu quarto. É só madeira. O meu é mais interessante.

Orlean fecha o livro e ouço (não me atreveria a olhar) seu corpo deitando no chão de forma oposta a mim, como se fossemos ponteiros do relógio marcando meia noite. Sua cabeça à centímetros da minha.

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