DEZESSEIS

50 4 47
                                    

Infelizmente Orlean cochilou.

É a primeira coisa que eu percebo quando acordo na ponta esquerda da cama onde dividi com a garota bêbada. Eu tinha criado coragem de dormir ao lado dela. Meus movimentos, felizmente, não a acordam.

Meus olhos ainda pesam de sono e chuviscos caem sobre o vidro da janela.

Uma vela ilumina o perfil de Orlean que dorme sentado em uma poltrona em um canto mais distante do quarto. O braço no encosto da cadeira e a mão sobre o queixo, seu peito sobe e desce de forma calma.

Como diabos ele consegue dormir nessa posição? Será que é de família?

Olho para um pequeno relógio posto ao lado de sua cama em cima de uma mesa de cabeceira. Ele tem ponteiros de ouro. Tenho que me lembrar (em parte porque não sei direito e em parte porque estou com sono) como se lê um relógio analógico. Sempre fui um pouco péssima com isso. A única coisa que gravei é que o ponteiro pequeno marca as horas e o grande os minutos.

São seis e... quarenta. Essa não.

Seguro o relógio em minha mão e saio de cima da cama com cuidado. Num impulso jogo o relógio em cima do colo de Orlean. Ele pula assustado pelo baque do objeto.

Eu estou ferrada.

Ele massageia o pescoço. Imagino que dormir sentado deva ser uma posição ruim.

— Você não me acordou. — sussurro, mas quero gritar e iria se não fosse a menina no quarto.

Seus olhos se arregalam quando vê as horas.

— Perdão, senhorita. Eu não sei porque dormi assim. Eu nunca durmo nas festas... — ele realmente está chocado.

Eu levanto uma sobrancelha e tento não transparecer o medo só de pensar em alguém do Conselho ter ido me procurar no meu quarto e meu coração bate rápido em meu peito.

— Preciso chegar lá o quão rápido você conseguir.

O elfo pensa por alguns instantes.

— Abra a janela e me espere. Eu vou buscar um dos cavalos.

Ele, então, sai em disparada pela porta fechando-a no processo.

A festa já tinha acabado e sinto cheiro de sujeira (cerveja e vinho derramado) vindo do lado da sala. Com certeza derramaram bebida por todos os cantos. A última vez que senti um cheiro assim foi quando ainda morava com meus pais e Cecília Meireles conseguiu puxar um pano da mesa da cozinha derrubando algumas latas abertas de cerveja junto com um prato de churrasco.

Lembro que falei para minha mãe que era melhor adotar um gato preto idoso e preguiçoso e chamar de Edgar Allan Poe, mas meus pais não curtiram muito a ideia de um gato. E segundo eles juntar Cecília com Edgar transformaria a casa em algo muito melancólico e sombrio.

Nisso eles tinham razão. Acho que estou com saudades deles um pouco por ter lembrado disso nesse momento.

Me viro para a janela e levanto a pequena trava empurrando-a para fora. O frio da chuva e algumas gotas tocam minha pele e o vento sopra meu cabelo. Eu passo as mãos pelos meus braços para me aquecer.

Onde está Orlean?

Um barulho de galope vem de mais distante depois de um tempo e eu estico a cabeça para ver. É ele. O cavalo é preto. Passo uma perna para o outro lado pisando no pequeno barranco ao lado da janela, só que devido a chuva meus pés mergulham em uma pequena poça de lama. Os sapatos beges do trabalho estão arruinados.

Pressinto uma movimentação vindo da cama e meu coração se sobressalta. Estou em um filme de terror. A garota bêbada se levanta da cama de olhos bem abertos e esbugalhados.

O Portal para VersenOnde histórias criam vida. Descubra agora