Lua de sangue

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O ECLIPSE REVELOU então a verdadeira face das bruxas demoníacas. A pele ressecada, cheia de pústulas, que inchavam e explodiam um líquido roxo, que logo evaporava no ar, os lindos cabelos transformaram-se em tufos escassos, aqui e ali no topo da cabeça enrugada, o globo ocular era negro como a noite e chifres escuros nasciam de suas testas. Era no mínimo a feição de um demônio.

Kaira sorriu, mostrando uma fileira de dentes negros e pontudos. Um daqueles cachorros se desgrudou da escuridão que se fez aos pés da bruxa.

— O que achou dos meus bebês?

— Parecem muito com a mãe.

Kaira se empertigou, logo voltando a feição feérica de antes.

— Eu logo irei arrancar o escárnio de seus lábios frios.

No momento, Ellie estava se concentrando em estancar a hemorragia. Não tinha o que fazer, estava à mercê de Kaira. Não poderia derrotar a Suprema, não como uma Vamber. Não como uma Vamber. Quando voltou a si, viu que sombras se agarravam a seu corpo como tentáculos negros, apertando seu pescoço.

— Algum sinal dos malditos?

— Não, irmã. Os cães devem ter matado o Vamber na mansão – Lily falou em meio um sorriso.

— Até agora o líder parece não ter notado nossa presença, o feitiço de ocultamento funcionou não apenas na casa Collins, mas em toda a área da floresta e no perímetro do templo. Ninguém entra ou sai da barreira. – A mulher loura de roupa escura e sensual falou.

Ellie gesticulou ao escutar a primeira revelação. Kaira sorriu ao notar tal efeito, achegando-se, apertando seu queixo com as garras horríveis, deletando-se com aquela expressão.

— Você realmente conseguiu alcançar a maior deturpação da Ordem: uma Vamber, uma bruxa, uma reencarnação amaldiçoada e amante de um Grigori. – A última palavra saiu com tanto escárnio que mais parecia uma ofensa – certamente o mundo será um lugar melhor quando eu a matar. Mas nos olhos da humana brilhou o mais puro ódio, derretido naquele ouro brilhante.

— Tente o quanto quiser, seus truques de Vamber não funciona...

Mas antes que terminasse a frase, a bruxa sentiu uma pontada atravessar seu corpo e quando se voltou ao chão, percebeu que uma estalagmite crescia do chão e trespassava seu corpo. Suas sombras soltaram Ellie, que recuou para trás rapidamente, tocando as pontas dos dedos na relva molhada.

"Esse poder é seu. Ele faz parte de quem você foi e quem você é. Quando sentir ele aqui, saberá quem deve ser o que deve fazer."

Maldita Criska, ela não deveria falar algo tão importante em forma de metáfora.

Sorriu desaforada. Mesmo sabendo que a ferida em sua barriga não se fechara; que estava em desvantagem; e usando poderes que acabara de aprender que possuía.

— Talvez eu saiba lutar como uma bruxa.

Kaira quebrou o apêndice de pedra que lhe prendia e rogou pragas em todos os presentes.

— Por todos os anéis do inferno, ela não era uma bruxa do ar?

As irmãs logo tomaram sua frente, protegendo-a.

— Foi o que Zafira informou antes de morrer.

— Então por que demônios ela está a usar outro elemento!?

Mais uma dezena de estacas de pedra brotaram do chão, mas como dessa vez as bruxas a estavam esperando, desviram com facilidade, aquele ataque mal coordenado e destruíram todas as pontas, levantando uma nuvem de poeira. Quando a poeira abaixou a adversária havia sumido novamente.

Do chão, então, brotou três feras repugnantes com aquele odor infernal, que se juntaram a primeira, aguardando as ordens de sua senhora.

— Arranquem as pernas dela – os cães correram em meio a noite negra – quero ver se conseguirá fugir agora – voltou-se às bruxas – Olivia, traga-a até a mim. Lily e Beatrice confiram as irmãs da barreira e me informem se houver alguma alteração no tecido. Não irei deixar que uma garotinha amaldiçoada acabe com a Ordem que levei centenas de anos para construir.

Gritos esganiçados flutuaram no ar.

Mas não eram os gritos que Kaira esperava ouvir.

Era o ganido das feras infernais.

Moveu-se com bela delicadeza, seus longos cabelos alvos pareciam esvoaçar a esse movimento de ninfa. Fitou as sombras com curiosidade. Então sentiu quando a presença de Lily sumiu.

Os olhos de Ellie ainda brilhavam no escuro, não podia usar a parada de tempo para lutar contra a Suprema, mas podia concentrar o poder na cura de sua barriga e braço. Enquanto mantivesse seus poderem conseguiria aguentar a dor de pé. Agora corria novamente para o local marcado com Liam. Ela sabia... não. Ela sentia que ele estava vivo e a estava esperando. Mas de repente os poderes começaram a falhar e seus olhos perdiam lentamente aquela cor dourada. Não. Só mais um pouco. Só preciso aguentar mais um pouco. Porém forçar demais só fazia com que sua cabeça desse mais voltas e já não sabia se estava caindo por conta do cansaço mental ou físico.

Mas antes que tocasse o chão, duas mãos lhe apararam no ar.

Afundou o rosto em seu peito, sentido um grande alívio.

— Liam...

— Errou – ele sussurrou com um sorriso – como sempre você está péssima. Serão dois sacos de batatas para carregar até o cais.


Despertar: entre a ordem e o caosOnde histórias criam vida. Descubra agora