Uma vida por outra

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ELA RESPIROU PESADAMENTE, olhando em volta. todos aqueles olhos lhe questionando. Tinha que aceitar. Não sabia o que aqueles lobos a fariam se negasse. Precisa de mais respostas. Guardiã? Precisava saber mais sobre aquilo tudo. Que verdade? Sua cabeça dava mil voltas.

— Eu não posso – saiu automaticamente – eu fiz um contrato com eles. Não posso mais voltar atrás.

— Não deveria confiar em um Grigori. – A voz que soou pelo ambiente pareceu ser carregada de decepção. – Eles são uma família amaldiçoada; antes mesmo da maldição das bruxas. Eles existem desde os primórdios, o proposito de um Grigori é sempre o mesmo: extermínio.

Yu deu-lhe as costas e começou a subir o vale. Ellie virou-se com uma expressão de culpa, como se tivesse quebrado uma promessa que fez a um amigo.

— Yu, eu sinto muito.

— Não, criança, eu sinto muito – ela viu que os outros lobos se aproximavam dela com as presas a mostra – mas não posso deixar que saia daqui com a provável chance de que eles a usariam para fins próprios. Não posso pôr a vida de meu povo em perigo por conta de uma ínfima vida humana. Em sua próxima vida, talvez renasça menos imprudente.

Dito isto, os lobos partiram para cima de sua presa. Ellie se viu cercada, não havia para onde correr. Voltou-se para trás. Sua única opção foi pular no lago gelado. A água batia em sua cintura, até que seus pés não alcançaram mais o chão feito de capim. Ouviu a água se espalhar atrás de si e os rosnados ao seu encalce. Nadou em direção a uma pequena ilha, mas antes que a alcançasse ouviu a mordida que se fechava atrás de sua cabeça. Mergulhou no momento exato da abocanhada. Seu corpo afundou no lago e ela se virou para checar a superfície. O lobo – menor que o grande líder – vinha nadando em sua direção em um mergulho. A garota se debateu para trás, tentando mover-se. Mas então notou que o lobo havia parado em meio as águas, como se estivesse estagnado, assim como as ondas e bolhas a sua volta.

De repente, voltou a mover-se e uma mão surgiu da superfície do lago e agarrou a sua, puxando-a para cima e lhe arrastando para a ilha. Ela caiu sentada na relva macia, recostando-se no tronco do salgueiro, ainda lutando para recuperar o fôlego. Depois de se recompor buscou seus sentidos, mas tudo o que viu a sua frente foi a imagem das costas de alguém, abaixado, com um dos braços estendidos para trás. Liam. Voltou-se para todo o resto. Os lobos. As águas. As luzes. Tudo. Estava ofuscado. Nos seus ouvidos zunia um barulho familiar mal sintonizado e as imagens pareciam mais vivas, mais coloridas, porém estavam borradas. Como a captura de uma fotografia em movimento. O que está acontecendo? O mesmo que ocorreu no parque. Os lobos em posição de ataque, os espíritos de luz estagnados no ar, acesos eternamente, e aquele zunido.

— Ora, se não é o demônio da noite. Faz mais de cem anos desde que invadiu esse santuário com esses mesmos olhos, nos mostrando essas mesmas presas. Lembro como se fosse ontem, que mal saiu daqui andando.

— Lembro como se fosse ontem, que fiz vinte e dois tapetes de pele de lobo dá última vez que estive nesse mesmo lugar – os lobos rosnaram com mais intensidade. O corpo de um dos seus já jazia ali, ao seu lado.

Seus olhos brilhavam vermelhos, em uma posição de defesa. Os cabelos negros caiam sobre as sobrancelhas escuras, enquanto mapeava rapidamente de onde eles o atacariam.

— Olhe bem para a situação que se encontra. Acha mesmo que irá conseguir tira-la daqui com vida.

Liam olhou em volta e franziu o cenho, baixando a cabeça. Quando a levantou novamente seus olhos tinham a mesma cor esverdeada de sempre.

— Por favor, deixe-a ir. Ela é humana, não oferece nenhum risco a vocês. Deixe-a ir e eu ficarei no lugar dela para pagar todos os crimes que já cometi.

A risada da alcateia flutuou pelo vale.

— Não está em posição de negociar, Grigori – rosnaram eles.

— Não estou negociando – gritou asperamente, pondo-se de pé. Então fitou Yu – estou suplicando pela vida desta humana. Eu não tenho nada de valioso a oferecer. Mas eu dou de bom grado minha vida, mesmo que não valha nada, em troca da dela.

Um grande burburinho se formou.

— Silêncio! Nobreza não é uma característica da gente de sua laia – Yu andou em direção ao lago e ao pisar sobre as águas sua superfície endureceu-se e ele caminhou ao encontro do vampiro e da humana. – Isso foi comovente, mas creio que a criança não escutou nada do que foi dito até agora.

Liam hesitou antes de virar-se para fitá-la. Ellie permanecia sentada. Respirando em descompasso, talvez estivesse em choque. Mas então fitou seus olhos. Eles permaneciam perdidos em um único ponto e sua cor... Sua cor era de um amarelado vibrante.

— O que fez com ela!? – Liam voltou-se a Yu, mostrando-lhe novamente as presas.

— Sabe muito bem o que é isso.

A garota a nada disso via. A fotografia baça continuava estampada em seus olhos, lentamente ganhando recortes das figuras, que se moviam vagarosamente. Porém seu coração continuava acelerado, assim como todo os resto de seu corpo. Ela só queria que tudo aquilo parasse. Não aguentava mais. Quanto tempo havia se passado assim? Ela já não sabia. Parecia que já estava ali há uma hora. O zunido em seus ouvidos apenas aumentava. Por favor, apenas pare. Apenas pare!

— Por favor, pare! – enfiou o rosto em meio as mãos e encolheu-se.

— Ellie?

Yu os fitou de cima. Então deu as costas aos dois e voltou em direção ao vale.

— Leve sua humana daqui. Mas saiba de uma coisa, esse amor continuará sendo a ruína de ambos.

Liam o fitou sem entender muito o que havia acontecido antes dele chegar ali.

A alcateia reclamou a cabeça do vampiro para seu líder.

— Essa é minha decisão final.

O demônio apenas acenou com a cabeça, sem contestar. Tomou Ellie nos braços e saiu dali o mais rápido que pôde.


Despertar: entre a ordem e o caosOnde histórias criam vida. Descubra agora