JÁ HAVIA TRINTA MINUTOS que Liam discutia com Phillip na cozinha, enquanto este preparava algo para a hóspede humana. Ele não confiava no pai, mesmo que ele estivesse usando naquele momento um avental amarelo de babados e desenhos de cenouras. E durante seus acessos de raiva a voz dos dois subiam. Até uma palavra escapar da boca do homem. "perdão". Liam ficou atônito.
— eu realmente quero que você e seu irmão sejam felizes. Eu roubei isso de vocês, e se eu puder dar minha vida em troca disso, eu darei.
Kevin assistia à cena, jogado no sofá, com uma expressão não muito entusiasmada. Já havia terminado dois cigarros. A mão escorada no queixo. Bocejou e jogou a cabeça para trás. Então a virou para o lado, fitando Ellie. Nesse exato momento ela sentiu um frio a subir em sua espinha, então fixa seu olhar nele. Só agora percebia que Liam parecia muito com ele; e ambos lembravam Phillip, numa versão mais jovem.
A única diferença era o maxilar mais marcado, mas talvez fosse algo que aquele corte repicado, curto e meio ralo dos lados acentuasse. E seus olhos, que eram perigosamente vermelhos. Enquanto a garota estudava seus traços, não percebera que seu cenho se encrespava, como se tivesse no meio de um cálculo, de braços cruzados resolvendo aquela equação. Kevin então arqueia as sobrancelhas. Ela percebe o que fizera e desvia o rosto, encolhendo-se na poltrona, envergonhada. Mas sente que ele continuava a lhe encarar e começava a se sentir incomodada, ele não desviara o olhar.
— Kevin!
Finalmente ele tira os olhos de Ellie.
— o que foi irmãozinho, algum problema?
— Já não está na hora de ir?
— Claro! Já passou da hora do jantar, quero ao menos encontrar um lanchinho – o irmão suspira em resposta e Phillip meneia a cabeça em reprovação – não vão rir da minha piada?
Ele faz um gesto com as mãos enquanto murmurava e finalmente saiu. Lanchinho... era mesmo uma piada?
Ela sentou-se na cama macia em meio aos lençóis fofos, quase afundando, teria dormido assim que o fez de tão exausta que estava. Phillip havia preparado aquele quarto de hóspedes para ela, um em meio muitos vazios, considerando o tamanho de sua casa.
— Sinto muito por Phillip insistir que ficasse, o plano era levá-la de volta...
— Você já sabe minha resposta... por que pedir uma noite?
— Tenho esperança de que não seja tão maluca assim.
— Não importa o que você diga... o que me custe, eu não vou esquecer. E é cruel me pedir isso.
— É cruel querer vê-la viva?!
— Phillip não pode me matar, nós temos um contrato.
— Não é com Phillip que estou preocupado, Ellie, isso não é um de seus sonhos. Pode morrer.
Mas os olhos da garota não mostravam preocupação ou medo daquela palavra, parecia até uma velha amiga a ser mencionada. Liam ficou visivelmente afetado por aquela expressão que ela fazia e não sabia o motivo da raiva que lhe subia lentamente. Humanos deveriam temer a morte, era um princípio biológico fundamental de sobrevivência, mesmo um suicida, ao pular de uma ponte solta o grito agonizante que escapa de uma mente que ainda queria viver. Então por que... por que em seus olhos, ele não enxergava esse medo? Isso o irritava profundamente.
— Boa noite, Ellie.
Ele bateu a porta com força, recostando-se nessa. Seria imprudente deixá-la sozinha naquele quarto, naquela casa... Então, deslizou lentamente até encontrar o chão e ali ficou, plantado como uma sentinela.
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Despertar: entre a ordem e o caos
Fantasía[Livro I da trilogia "Despertar"] O equilíbrio entre os mundos há muito foi quebrado - não sabe quando e como - mas cabe aos Guardiões restaurá-lo, para que a magia e a corrupção não leve tudo à ruina. Mas o ódio desses três grandes Guardiões foi ta...