Um medalhão perdido e um pai de mentira

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ELA CRUZOU A RUA, pegou uma viela mais estreita, saindo perto de um campinho onde crianças jogavam bola. Na laje de uma das casas vizinhas um menino empinava uma pipa vermelha. Como sempre ela tentava não focar nas sombras. Pois quando o fazia podia sentir os pequenos seres lhe encarando de volta. e aqueles – diferente dos pequeninos do jardim – lhe davam arrepios. Parou na frente de uma casa velha, paredes descascando, janelas quase caindo. Antes mesmo de bater, como se adivinhasse a visita, uma senhora de cabelos alvos como a neve abriu a porta, estava usando um vestido florido de algodão. Ao ver Ellie, abriu um largo sorriso e os profundos olhos azuis encheram-se de felicidade.

— Estou feliz que tenha vindo.

— Eu achei o bilhete – ela entrou na sala e observou os móveis cobertos por lençóis brancos – a ideia de que vai embora não entrou na minha cabeça – cruzou os braços e fez um biquinho – Quem vai cuidar de mim agora?

— Não fique triste, minha menina – Sara riu-se - sempre estarei com você.

— Foi o mesmo que meu pai me disse antes de – ela mordeu o lábio inferior e sua voz se encheu de mágoa, mas deu um sorriso de canto, soprando o ar – partir – ela mudou de tom prendendo os cabelos com um elástico preto que trazia no pulso e arregaçou as mangas do moletom – então, por onde começo?

— As coisas do quarto de cima já estão empacotadas, só as traga para baixo.

Ellie subiu as escadas de cimento e entrou à primeira porta do corredor. Não tinha muitas coisas, só caixas. Médias. Grandes. Pequenas. E estava uma confusão. Ela devia ter etiquetado tudo. Pensou franzindo o senho e balançando a cabeça com um sorriso coquete. Sara sempre fora esquecida. Quem iria cuidar dela agora? Será que ela não poderia me levar junto? Pensou na mãe. Era melhor assim. Ela não queria ser um fardo para mais ninguém. Tinha medo de amaldiçoar Sara também.

Quando subia as escadas pela décima vez para buscar as últimas duas caixas, uma porta no final do corredor se abriu com um rangido. Ela ficou parada a encará-la, e quanto mais a encarava mais parecia que a escuridão do quarto a encarava de volta. Aquela porta... sempre esteve ali? Tinha certeza que não.

Caminhou até o cômodo e entrou no pequeno quarto que parecia não ser limpo há anos. A luz de um pequeno basculante colorido iluminava uma cômoda de mogno preto, o único móvel da casa que não estava coberto. A primeira gaveta estava semiaberta. A garota aproximou-se, era como se aquele cômodo a convidasse, gritasse seu nome, implorasse para que ela abrisse aquela gaveta. Sentiu sua mão arder, como se aproximasse de brasa. Quando deu por si havia parado até mesmo de respirar. Abriu a gaveta de uma vez, sentindo seus dedos queimarem e o oxigênio voltando para os pulmões como farpas.

Lá jazia apenas um pequeno baú de madeira. Abriu-o. Em seu interior, forrado por almofadas azuis, estava mergulhado um medalhão, sua corrente prateada acabava em uma pedra translúcida em formato de meia lua, adornada por formas finas em espirais prateadas. Ela o tirou da caixa de veludo, mas ao tocá-lo, a corrente queima seu dedo e o medalhão caiu no chão empoeirado.

— Estou vendo que o achou.

A garota virou-se sobressaltada.

— Eu não vi a senhora chegando – ela abaixou-se rapidamente e tocou na pedra. Está fria? – me desculpe, eu não queria...

— Não se preocupe – Sara envolveu as mãos da jovem nas suas e apertou – fazia tempo que eu não o via. É um presente muito especial que ganhei há muito tempo atrás.

Despertar: entre a ordem e o caosOnde histórias criam vida. Descubra agora