Um último abraço

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O VENTO FRIO bateu em seu rosto para acordá-la. Abriu os olhos. Um teto branco. Uma luz tênue e amarelada. Cortinas esvoaçantes. Uma janela redonda. Cobertas macias. Foi um pesadelo? Foi tudo um pesadelo. Tentou gesticular, mas seu corpo estava anestesiado. Ele estava se regenerando de tudo aquilo.

— Onde estou?

Vira-se.

Caminhando para fora daquela cabine.

Vento.

Mar.

O céu novamente lhe recebia.

Na proa alguém pilotava o barco em completo breu.

— Acabamos de partir da orla. – Sua voz soou.

Ela parou, recostando-se na entrada.

— Precisamos voltar – foi algo fraco.

— Não vou fazer isso, Ellie.

— Eu preciso voltar – mais uma vez sua voz saiu languida.

— Por quê? – ele não se virou – o que precisa fazer lá!? Não há mais nada que pertença a você naquele lugar – falou de forma rude, sem demonstrar nenhuma consternação – Phillip também está morto.

Ela saiu em direção a poupa. A vela hasteada. Fitou as luzes do porto, não muito longe.

Kevin achou estranho o silêncio, até que ouviu o barulho na água.

A garota tentou nadar, mas as ondas a empurravam com força. Até que duas mãos a tiraram de lá com um puxão a jogando de volta ao convés com mais força do que havia medido.

— Você enlouqueceu? – mas ao ver a humana se escolher, segurando a barriga e cuspir sangue, abrandou-se, esticando a mão em sua direção, mas parou, recompondo-se – eu não vou a levar exatamente para o lugar que elas querem, você precisa ficar em segurança e se curar desses ferimentos internos.

— Eu vou voltar, com ou sem você – a garota pôs-se de pé. Os olhos brilharam mais uma vez, mas ele a segurou sem muita dificuldade.

— Pelo amor dos céus, Ellie, o que você quer? Morrer? Pois adivinhe, eu não vou deixar.

Mas em uma rodada rápida de quadril, ela lhe passou uma rasteira, derrubando-o no chão e imobilizando seu corpo. No entanto o Grigori sabia muito bem como sair daquela pegada, já que tinha sido ele a ensiná-la para a humana. Rola de uma vez pelo convés, ficando por cima dela e imobilizando apenas suas mãos, exercendo pouca força no braço direito, que ainda estava roxo no local da quebra. Porém, quando fitou seus olhos, sua expressão mudou. Não havia loucura ou desespero ali. Ela lhe olhava com súplica e convicção.

— Por favor, Kevin... eu posso consertar tudo isso. Eu prometo, prometo que eu posso consertar. Eu vou trazê-los de volta. Eu sei que eu posso. Então não me peça para viver sabendo que eu poderia tê-los trazido de volta, não me faça viver com isso...

Ele soltou um falso suspiro e a fitou.

Ele sabia, mais que ninguém, o que era viver com isso.

Então lhe estendeu a mão, lhe tirando daquele chão frio e a abraçando, disse:

— Por favor, maus, não morra também.

Aquele seria o último abraço dos dois.    

Despertar: entre a ordem e o caosOnde histórias criam vida. Descubra agora