Uma promessa silenciosa e um segredo

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PHILLIP TERMINOU DE enfaixar seu braço. Havia posto ervas mágicas medicinais em cima da ferida, segundo ele, se não purificasse, o local apodreceria, pois foi feito por uma criatura do submundo e magia obscura.

—Onde mais?

—As costas.

Ele foi para trás da mesa e pediu que ela baixasse o roupão. Eram quatro grandes sucos. Ele conhecia bem aquelas marcas. Torceu o pano branco na tigela e limpou a ferida. A garota sentiu arder e deu uma fisgada.

—Quer ficar quieta. Já vi piores.

—Você por acaso é médico?

—Tecnicamente ou literalmente?

—Acho que depois disso já sei a resposta.

Phillip sorriu enquanto fazia o curativo.

—Quando se é um Vamber tem que aprender a lidar com muitas coisas com as quais hospitais não poderiam lidar. Antigamente havia grandes curandeiros, escolhiam se dedicar aos feridos e às doenças em vez dos campos de batalha, eu não chego nem aos pés do menor curandeiro de minha época – ele esterilizou as mãos e lhe entregou uma cuia com conteúdo duvidoso e escuro – beba isso e amanhã as feridas irão estar curadas. Sua tolerância a cicatrizes é boa, dou uma semana. Enquanto não se recupera, nada de treino, exercícios pesados ou doação de sangue.

A última recomendação saiu em tom ondulantes.

Ela meditou sobre aquilo, só então percebeu. Cobrindo os ombros rapidamente, sentindo o rosto corar, lembrando que a marca da mordida de Liam ainda era visível. Apesar de ter se livrado da marca de Remi e Adolf, a dele permanecia ali. E naquele momento havia se arrependido.

Ele sorriu e saiu da sala, lhe deixando sozinha com o rosto ainda a queimar.

A porta abriu-se novamente.

—Como está a paciente mais acabada deste mundo? – ele procurou pela mesa - vim buscar meu casaco.

—Está junto com minha roupa, eu sinto muito está sujo de sangue.

—Bom, neste caso, já que você vive uma relação tão intima com ele, pode ficar.

—não, eu posso lavar e...

—não precisa, eu não vou mais precisar – ela fez uma cara de surpresa e o interrogou com os olhos. Ele odiava quando ela fazia aquilo, era pior que as perguntas – fique como lembrança.

—Lembrança? – sorriu, já havia se acostumado a seu jeito jocoso. Era prático apenas sorrir. Nunca sabia dizer o que ele pensava de verdade. – Obrigada.

—É só um casaco, maus.

—Não por isso.

Ele ficou em silencio. O que era raro.

Então desembainhou uma faca e a apontou para o pescoço da garota, virando o cabo logo em seguida. Ellie a pegou. Escondendo a lâmina.

—Feita para matar... se ferir uma criatura sem alma com ela, a ferida não irá regenerar, nunca mais. Então, vocês também não podem se regenerar de cortes feitos por essa lâmina?

—Exatamente – ele se balançou de um lado para o outro enquanto sorria. Parecia uma criança imperativa nessas horas.

—Remington... – ela fitou primeiro seu rosto, o corte avermelhado no lado esquerdo, depois seu peito. A adaga teria atravessado?

—Não se preocupe. Águas passadas. Afinal, 'Tudo termina bem quando acaba bem'.

Ellie desceu da mesa com um pulo desengonçado, quase caindo e derrubando os materiais de primeiros socorros. A sala no segundo andar estava mais escura que o habitual, pois não havia lâmpadas no cômodo, poltronas e cristaleiras estavam mergulhadas naquelas sombras bruxuleantes. Ele segurou em seu braço para que não caísse.

— Por que é sempre tão desastrada? Seria encantador se não fosse preocupante.

—Por que se importa tanto comigo? – a voz saiu em meio tom, calma e preocupada.

Ele ficou calado enquanto o fogo nas velas tremulava, fazendo a sombra dos dois dançarem nas cortinas azul. Fitou os olhos castanhos dela. Ela continuava a lhe perguntar com o olhar. Então se fez a mesma pergunta. "porquê?".

Ellie tocou em seu peito, absorta ainda em seus pensamentos de culpa. Sentiu o curativo no lugar onde a adaga havia sido cravada e perpassado a caixa toráxica. É minha culpa. Não deveria deixar ninguém se preocupar comigo àquele ponto. Ao ponto de se machucar. Estava decidido. Nem Liam e nem Kevin se machucariam mais por ela. Nunca mais. Franziu o cenho enquanto fazia essa promessa silenciosa, sem notar que as pontas de seus dedos ainda estavam sobre o peito dele.

—Eu não sei – saiu como um sussurro. Ela fitou seus olhos rapidamente, retornando a mente de volta à sala e à conversa dos dois. Naquele momento ela não fazia ideia o que ele respondia. Afinal, sua pergunta havia sido algo retórico, só ela sabia os monólogos que montava em seus botões. Ele chegou mais perto e recostou os lábios em sua arelha – talvez eu goste de você, maus – foi como um segredo quase inaudível, em uma frequência que só ela conseguiria escutar estando tão perto. Aproximou-se de sua face e sentiu sua respiração pesada, o calor de seu corpo, o cheiro do sangue fresco em seu pescoço, as bochechas corando – eu fico me perguntando isso o tempo todo.

Ela sentiu o corpo dele se aproximando do seu, então prendeu a respiração, ficando imóvel, sem saber como reagir. Não sabia como havia chegado até ali. Por um milésimo de segundo parecia-lhe que os olhos dele não tinham mais aquela cor rubra, mas que haviam se tornado tão claros quanto o sol. Mas então, como um clique em sua mente, ela fugiu de suas mãos.

—Não... – balançou a cabeça. Então foi até a janela e encarou seu reflexo no vidro. O rosto fechado. Se perguntou se o encarou daquele jeito, com tanto repúdio. Abrandou o semblante se arrependendo.

Mas ele continuou de costas para ela. Apoiou-se na mesa, arqueando-se para frente, como quem se recompõe. Então falou se virando.

—Eu sei – sorriu de um jeito coquete – esqueça isso – seus olhos eram rubros novamente.

—Irei esquecer – ela suspirou, então saiu pela porta, deixando-o sozinho em meio as trevas.

Despertar: entre a ordem e o caosOnde histórias criam vida. Descubra agora