AGOSTO

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•• EU, VOCÊ e o que não dizemos! ••
Quando os olhos falam, as palavras silenciam.
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"Acho que descobri o significado da vida. É só a gente ficar por aí até se acostumar com ela" - TURMA DO CHARLIE BROWN

TEM DIAS QUE a gente só levanta da cama porque o ódio faz o serviço da cafeína. E olha, com tanta coisa pra fazer, o cansaço já deu as caras antes mesmo do dia dar play. Me peguei navegando em piloto automático, alheia ao que se passa ao redor, com a mente lotada de ansiedade, como se ela tivesse um aluguel vitalício no meu cérebro. Isso acabou com meu sono, e daí pra estragar o resto do dia foi um pulo.
Desde que Donavan voltou pra casa há duas semanas, nossa rotina virou de cabeça pra baixo. Estamos nos revezando para cuidar dele. Ele ainda não recuperou a memória, continua fraco, mas pelo menos ganhou uns quilinhos. A fisioterapia em casa está fazendo milagres, porque depois de dois meses parado, o corpo dele quase esqueceu como é que funciona. Os músculos encolheram e a coordenação motora, coitada, tá pedindo socorro. Ele precisava de ajuda pra praticamente tudo, até pras coisas mais simples, como se mover e comer.
É duro assistir, porque dá pra ver o quanto ele se irrita quando não consegue fazer o básico. Outro dia, ele foi pegar um copo d'água na cozinha e, sem força nos dedos, deixou o copo espatifar no chão. A explosão de palavrões que veio depois não foi pouca. Estávamos só nós dois, então guardei o incidente pra mim. É triste ver a frustração no rosto dele, toda vez que me olha e não tem a menor ideia de quem eu sou. A recuperação física é um passo de tartaruga, enquanto a mente parece que estacionou de vez.

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Era 6h30 da manhã.
Eu sabia que era hora de acordar sem precisar abrir os olhos. A luz do sol atravessava a cortina como se fosse um despertador natural. Suspirei profundamente, antes mesmo de encarar o dia, faço uma rápida viagem mental pela minha lista de tarefas do dia. Reunião de classe sobre a formatura, treino de Kickboxing, e depois aquela bendita aula extra de música.
Abro um olho, depois o outro, e encaro o teto com a determinação de quem está prestes a escalar uma montanha. Que mentira, poderia dormir mais uma hora tranquilamente se não fosse pela insistência da insônia.
Me espreguiço como um gato preguiçoso, solto um bocejo que poderia acordar o bairro inteiro, e finalmente me sento.
É aí que levo um susto daqueles. Donavan está sentado ao pé da minha cama me observando, sua expressão é curiosa. Meu coração quase dá um pulo para fora do peito, e eu me ajeito rapidamente, puxando o lençol para cima como se fosse uma armadura protetora.
"Bom dia," murmuro, enquanto tento domar o cabelo bagunçado com uma mão. Ele está sério, com o cenho franzido, como se estivesse tentando resolver um enigma complexo. Será que, além de perder a memória, ele agora também era sonâmbulo? Porque, sinceramente, essa era a única explicação que fazia sentido para aquela cena surreal.

- Donavan, o que faz aqui a essa hora? Está tudo bem?
A porta do quarto estava fechada.
Ele vestia o seu pijama azul marinho favorito. Disso pelo visto ele se lembrava.
- Por que está me olhando assim?

- Eu sinto que conheço você!
Sua expressão é confusa. Ele força os olhos sobre mim.

- Isso porque você me conhece! - falo suavemente.

- Mas então porque eu não me lembro de você?

- Eu queria poder ter essa resposta. - minha fala é carregada de desânimo.

- Me desculpe, Chloé! - seus olhos tristes despedaçam meu coração.

- Pelo quê?

- Por não me lembrar de você!

- Não é só de mim que você não se lembra, então está tudo bem! - seguro sua mão lhe dando algum conforto. Donavan olha para a palma da minha mão e acaricia minha cicatriz com seus dedos longos de finos.

EU, VOCÊ e o que não dizemos!Onde histórias criam vida. Descubra agora