OUTUBRO

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•• EU, VOCÊ e o que não dizemos! ••
Quando os olhos falam, as palavras silenciam.
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"Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então."

É na frase de Alice no País das Maravilhas que estou pensando enquanto meu olhar perdido no tempo vaga sem direção certa, completamente imóvel em frente aquela faixa de pedestres onde a multidão circula freneticamente.

- Você não vai atravessar?

Pergunta ele, faltando apenas cinco segundos para o sinal verde fechar, segurando firmemente a minha mão e entrelaçando nossos dedos, me puxa para o outro lado da rua desviando dos outros pedestres.
É a primeira vez que Donavan me acompanha a Toronto para o aniversário de morte da minha mãe.

Ao saber que eu viajaria sozinha durante o almoço na lanchonete, comprou uma passagem de trem na última hora sem que eu soubesse, quando eu já estava quase embarcando ele apareceu correndo com sua mochila de couro marrom envelhecido todo ofegante.
Eu não lhe fiz nenhuma pergunta.
Na verdade, eu agradeci internamente por não ter que fazer essa viagem sozinha e mas principalmente por Donavan estar ali e dividir a melancolia dela comigo. Me sentei de frente para janela observando enquanto ele conversava com o cobrador tentando trocar o número da sua poltrona para se sentar ao meu lado, e após muita insistência ele conseguiu convencê-lo.

Seria uma longa viagem, busquei distrações para evitar o peso do que nos trouxe até aqui. Assistimos a um filme de ação, compartilhando risadas e pipoca. Depois, dividimos o fone de ouvido e nos deixamos levar pela música, tentando encontrar conforto em melodias familiares. Comemos pizza, jogamos baralho e até uma partida de stop, como se fôssemos crianças novamente, tentando afastar qualquer pensamento sombrio. Falamos sobre tudo, menos sobre o verdadeiro motivo dessa viagem. Era como se, ao ignorar o assunto, pudéssemos manter a dor à distância por mais um momento. Mas, eventualmente, o cansaço venceu, e sem palavras, nos entregamos ao sono, lado a lado, buscando algum consolo na presença um do outro.
Vi o sol nascer no horizonte, Donavan ainda dormia tranquilamente encostado em meu ombro quando chegamos em Toronto.

Donavan Tremblay tinha olhos acinzentados, nebulosos como uma tempestade, que carregavam uma melancolia irresistível, ao mesmo tempo que fluia uma sedução natural. Suas sobrancelhas arqueadas e espessas acentuavam o olhar intenso, quase hipnótico. O nariz era fino e reto, harmonizando com os lábios carnudos de um vermelho sangria que contrastavam com a pele clara feito porcelana.
Seu cabelo, curto e alinhado, de um marrom café, parecia sempre perfeitamente ajustado, refletindo a força e a disciplina que ele incorporava em sua postura. O rosto oval, com um queixo saliente e uma mandíbula suave, completava uma aparência que era ao mesmo tempo forte e vulnerável, atraindo olhares por onde passava.
De estatura alta e ombros largos, seu físico atlético denunciava a dedicação ao corpo, mas o que realmente chamava a atenção era a tatuagem no antebraço direito, um detalhe que revelava traços de sua personalidade que ele raramente deixava transparecer.

O táxi para diante da casa da vovó Beth e inevitavelmente me sinto mais emotiva.
Toco a campainha num misto de ansiedade e angústia.

- Veja só quem está aqui, os jovens mais bonitos de todo o Canadá e o meu par favorito! - disse ela nos abraçando mutuamente.

Donavan sorriu relaxado com o jeito expansivo de vovó, apesar dele ter ficado ruborizado não transpareceu sua falta de graça. Fico tão constrangida que acho melhor falar da minha mãe para fugir daquele embaraço, mas lhe pedi desculpas no instante em que vi sua urna.

- Você é muito parecida com ela, Chloé, principalmente o sorriso! - sussurra como se tentasse não perturbar o silêncio daquele pequeno espaco.
Seu olhar terno é um elogio pra mim. Ele acaricia com seu polegar o vidro do porta retrato, ao lado da urna e vejo um sorriso tímido no canto dos lábios.

EU, VOCÊ e o que não dizemos!Onde histórias criam vida. Descubra agora