Capítulo 27

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Dom Fenn - 21 anos
Abril, 2044
Rynvale, Valoria

O apartamento está mergulhado num silêncio tenso. Cada respiração parece mais pesada que o normal, e o som do relógio na parede marca o tempo com uma precisão cruel. Eu olho para o Elio, deitado na cama, seu peito subindo e descendo calmamente. Ele está tão tranquilo, tão despreocupado, alheio ao que está prestes a acontecer e isso é bom. O mundo que ele conhece vai mudar mais uma vez. Tão pequeno e já passou por tanta coisa nessa vida louca, e o pior é que a maioria foi de uma forma negativa e traumatizante.

Caminho pelo corredor estreito, sentindo o peso do que está por vir, não irei ser ingênuo. Guerras nunca são simples, e essa... Essa não será diferente e pode ser que um caos se instale em toda a Lyserion ou sei lá qual o nome do planeta. Mas algo dentro de mim parece estar mais pesado desta vez, essa guerra por anos é esperada.

Talvez seja porque sei que Mia também vai estar no meio disso e a gente acabou de se acertar ou por saber que o mundo real se acabou que me deixa tão apreensivo. E mesmo que confie nela mais do que em mim mesmo, a ideia de estarmos em lados opostos, separados, torna tudo ainda pior. Ela não parece se decidir e gosta de ficar no meio do muro totalmente indecisa, tenho até medo de saber o que ela decidiu com a proposta louca do seu avô.

Entro no quarto onde ela está se preparando, e por um momento só fico ali, encostado no batente da porta, observando-a. Ela está de costas, os músculos tensos enquanto ajusta o cinto do uniforme militar. Seu cabelo, ainda um pouco úmido do banho, cai sobre os ombros de forma desordenada, mas, de algum jeito, tudo nela parece perfeitamente calculado. A força, a determinação, a capacidade de se transformar em uma arma, quando necessário. A beleza avassaladora que me deixa de joelhos por ela.

_Mia. - Minha voz soa baixa, quase inaudível, mas ela me ouve e isso que importa.

Ela se vira devagar, os olhos encontrando os meus naquela intensidade que só ela conseguia ter. Não precisou dizer nada, sei o que ela está pensando. A guerra está batendo à nossa porta, e dessa vez não há espaço para erros e nem pensar nas suas consequências.

_Dom. - Ela sussurra, seus olhos escurecendo ainda mais por um breve segundo. Caminha até mim, os dedos tremendo ligeiramente enquanto ajusta uma parte da minha farda que não precisava de ajuste algum. Talvez seja a forma dela de se acalmar ou de tentar me acalmar. Deixo ela fazer o que quiser comigo, sou seu justamente para isso.

_Está tudo pronto? - pergunto, sabendo que ela provavelmente já verificou tudo três vezes, as armas o local delas pelo seu corpo e as munições, eu fiz o mesmo.

_Sim... - Ela pausa, como se estivesse escolhendo as próximas palavras com cuidado. - Eu preciso passar no quartel antes de ir. Há algumas coisas que precisam ser alinhadas antes da coisa toda... Mas nos encontramos lá, certo?

Assinto, mas algo dentro de mim se agita. Mia sempre teve um ar de mistério, algo que ela mantinha escondido, e agora, diante dessa despedida, me pergunto se ela não está escondendo mais do que o normal. E ela ainda não me contou como derrubou tantos soldados sozinha, pular essa parte pareceu algo normal para ela.

_Certo... - Tento manter a voz firme, mas é difícil. Toda vez que eu a vejo partir, há uma pequena parte de mim que tem medo de que seja a última. - Vamos despedir do Elio antes?

Ela sorri de leve, aquele sorriso que só aparece em raras ocasiões, e me segue até o quarto do meu filho. Espero que ele fique bem, mas Elio é genioso e sabe se cuidar muito bem sozinho apesar da pouca idade.

Ele é um sobrevivente.

Quando chegamos ao quarto do Elio, o menino ainda dorme profundamente, alheio ao caos que está prestes a desabar sobre nós. A respiração dele é suave, ritmada, e, por um breve instante, posso me enganar acreditando que o mundo lá fora ainda está intacto. Ele se assemelha tanto a um anjo que às vezes me confundo que a realidade é diferente.

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