Capítulo 32

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Mia Arden- 21 anos
Abril, 2044
Rynvale, Valori

O céu estava escuro, sem estrelas, apenas um manto negro sobre nós, refletindo o vazio que eu sentia por dentro. A guerra ainda rugia ao longe, mas de onde estávamos, sentados numa colina isolada, havia uma calma enganadora. Eu e Dom finalmente tínhamos um momento de paz no meio do caos. Mas a verdade é que a paz nunca realmente existe, não para mim, não dentro de mim. O silêncio ao nosso redor apenas amplificava o ruído dentro da minha cabeça.

Estava na hora de falar para ele a verdade.

Olhei para o horizonte, para o brilho distante das explosões, sentindo o peso do que estava prestes a dizer. Dom estava sentado ao meu lado, observando-me com aquela intensidade calma que sempre me fez sentir exposta. Eu sabia que ele estava esperando que eu falasse, mas, como sempre, não pressionava. Acho que ele sempre soube quando eu precisava de tempo, de espaço e de algumas verdades nuas e cruas.

Mas desta vez, eu não podia mais fugir.

_ Eu nunca te contei... - comecei, a voz soando estranha para mim mesma, como se estivesse vindo de um lugar distante. - Nunca te contei tudo sobre o chip... Ou sobre como minha infância de verdade foi... Sobre o que realmente acontecia comigo fora daquele apartamento.

Senti o olhar de Dom em mim, mas mantive meus olhos fixos no horizonte. Não sabia se conseguiria continuar se olhasse para ele.

_ Não sei nem por onde começar, mas acho que desde que tudo isso começou, você precisa entender o que me tornou assim. - Respirei fundo, tentando organizar os pensamentos que pareciam se embaralhar. - Minha mãe era uma soldado brilhante, como você já sabe. Ela não era só uma soldada ou uma peça no tabuleiro do meu avô, ela era a mente por trás de muitas das coisas horríveis que fizeram comigo. E, de alguma forma, ela me amava, mas o amor dela era estranho... Condicional. Doentio.

Minha voz vacilou um pouco. Era difícil falar sobre minha mãe, sobre o que ela representava. Ao mesmo tempo, ela era meu maior consolo e minha maior traição. Eu a amava e prefiro acreditar que ela também me amava.

_ Quando eu tinha sete anos, começaram os experimentos. No começo, eram testes simples. Minha mãe me dizia que eram apenas para entender meu potencial. Sabe, ela acreditava que eu era "especial", que tinha uma genética diferente. Eu era a filha dela, então, claro, eu confiava nela. Mas as coisas começaram a ficar mais... Invasivas e dolorosas. Lembro-me das primeiras sessões. Fui levada para uma sala branca, fria e estéril, cheia de máquinas que eu não entendia. Havia sempre uma equipe de médicos ao redor, pessoas de rostos cobertos com máscaras e olhares vazios. Eu era apenas uma criança, sentada naquela cadeira metálica, olhando para minha mãe com medo. Mas ela sempre sorria para mim e me dizia que era pelo meu bem, que eu estava ajudando a família e para a babá ela achava que eu tinha uma doença estranha e que os testes era para o meu bem. Minha mãe enganou fortemente a única pessoa que fazia de tudo para me vê bem, e mesmo dizendo que os experimentos estava doendo ela deixava continuar achando que no final aquilo me salvaria.

Paro por uns segundos engolindo as lágrimas e respirando fundo.

_ No começo, eram só medições. Eles testavam minha força, minha velocidade, minha resistência. Coisas que eu, na época, achava até divertidas. Era como se fosse uma competição. Mas depois... Eles começaram a introduzir a dor. Era sempre disfarçado como "necessário". - Senti meu corpo ficar tenso enquanto as memórias invadiam minha mente. - Eles inseriam agulhas em mim, faziam cortes, e monitoravam a forma como meu corpo reagia. Eu chorava, gritava, mas minha mãe sempre estava ali, me dizendo que eu precisava ser forte, que isso me tornaria imbatível. Eventualmente, eu parei de gritar. Não porque a dor parou, mas porque percebi que isso não importava. Eles não se importavam com o meu sofrimento. A dor era apenas parte do processo.

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