Capítulo 31

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Elio Fenn - 5 anos
Abril, 2044
Rynvale, Valoria

Eu estava sentado no sofá, abraçando meu cobertor preferido bem forte. Era aquele cobertor que o Dom me deu. Ele disse que era meu escudo contra o mundo, que sempre que eu ficasse com medo, era só me esconder nele e tudo ia ficar bem. Mas agora, mesmo segurando o cobertor, eu não conseguia me sentir seguro. O apartamento estava tão vazio, tão quieto. As luzes da cidade piscavam lá fora, mas aqui dentro só tinha silêncio e o barulho do meu coração batendo.

Queria que ele tivesse aqui comigo.

Eu fiquei olhando a janela por um tempo, tentando não pensar nas coisas que me davam medo. O Dom sempre me dizia pra ser forte, que eu era corajoso, mas agora que ele não tava aqui, eu não me sentia nada corajoso. Desde que o Dom me achou, ele nunca tinha me deixado sozinho por tanto tempo, sempre ia me visitar. Ele sempre voltava logo ou então me avisava que iria ficar fora por causa de alguma viagem a trabalho. Mas dessa vez ele não voltou, e eu não sabia o que fazer com o medo.

As lembranças de antes começaram a aparecer na minha cabeça. Quando tudo ficou escuro e as pessoas gritavam. Eu tava sozinho, perdido, e não sabia pra onde ir. Foi quando o Dom me encontrou. Eu lembro bem desse dia. Ele tava de joelhos, me olhando nos olhos, e eu não consegui olhar pra ele de volta no começo. Mas ele só ficou ali, me esperando. Quando finalmente olhei, ele sorriu. Um sorriso de verdade, não igual aos sorrisos falsos que eu tinha visto antes.

_Qual o seu nome pequeno? - Ele me perguntou com a voz calma.

Naquele momento, eu soube que ele tava falando a verdade. Eu peguei a mão dele, e desde então, o Dom sempre esteve lá pra mim. Ele não era só alguém que me protegia, ele era... Como um pai. Eu não sabia o que era ter um pai de verdade, mas achava que era assim que devia ser.

E eu gosto disso, gosto muito. Ele é muito bom como pai.

Depois que o Dom me pegou, as coisas ficaram um pouco melhores. Ele sempre me levava pra onde ele ia quando podia, nunca me deixava pra trás mas fazia de tudo para me proteger. Quando a gente tava com os outros rebeldes, eles cuidavam de mim também, mas não era a mesma coisa que o Dom. Ele sempre ficava de olho em mim, sempre sabia o que eu precisava, mesmo quando eu não falava. Lembro de quando ele me levava pro esconderijo dos rebeldes. Eu ouvia as pessoas falando sobre guerra, sobre lutar, e isso me deixava nervoso. Mas o Dom sempre colocava a mão no meu ombro e dizia:

_ Não se preocupa, Elio. Eu tô aqui. Ninguém vai te machucar, jamais deixarei isso acontecer.

E eu acreditava. Ele sempre cumpria a palavra dele. Sempre me protegia, como um escudo que eu podia confiar, como esse cobertor que me protege do medo.

Mas agora ele não tava aqui. E mesmo tentando ser forte, como ele sempre me dizia, eu não conseguia segurar as lágrimas. Tudo parecia tão assustador. O barulho dos tiros de longe, as explosões que às vezes faziam o prédio tremer um pouquinho. Eu sabia que o Dom tava lá fora, no meio de tudo aquilo, e isso me dava medo. E se ele não voltasse? E se ele se machucasse? Essas perguntas ficavam na minha cabeça, me deixando cada vez mais ansioso.

Tentei me lembrar de todos os momentos bons com ele, de como ele sempre cuidava de mim. Como daquela vez que eu caí e machuquei o joelho. Eu tava chorando, mas o Dom veio correndo, me pegou no colo e disse:

_ Tá tudo bem, filho. Isso vai sarar logo. Eu vou cuidar de você.

Ele me levou até um dos caras dos rebeldes que sabia cuidar de machucados, e em poucos minutos, já tava tudo bem. Mas o jeito que o Dom olhava pra mim, preocupado, me fez perceber que ele se importava de verdade. Ele não era como as outras pessoas que só diziam que ia ficar tudo bem, ele fazia com que tudo ficasse bem.

Olhei para a porta, esperando que ela se abrisse de repente e que o meu pai entrasse, com aquele sorriso cansado, mas feliz em me vê. Eu podia quase ouvir a voz dele dizendo que tinha voltado, que eu não precisava mais ter medo. Mas a porta continuava fechada. A cada segundo que passava, meu coração batia mais rápido, o medo crescendo dentro de mim como uma sombra que eu não conseguia afastar.

E eu chorava assustado, com saudades dele e da Mia. Faz pouco tempo que conheço ela mas sei que ela vai ser minha mamãe, Dom olha para ela como se o mundo ao redor não importasse. Se o amor significa aquilo eu quero viver um igual quando crescer, é algo bonito de se vê.

Tentei me distrair olhando os brinquedos que o Dom tinha me dado. Ele sempre trazia algo novo pra mim, mesmo quando ele dizia que não tinha dinheiro já que praticamente todo o seu salário ele dava para os rebeldes conseguir viver, com remédios e comida. Mas de alguma forma, ele sempre encontrava um jeito de me fazer sorrir. Ele me trouxe uma bola de futebol uma vez, dizendo que ia me ensinar a jogar quando as coisas ficassem mais calmas. Mas agora, olhando pra bola, eu me perguntava se esse dia ia chegar. Será que a guerra nunca ia acabar?

Pensei que como ele me trouxe para o apartamento as coisas iam melhorar e iríamos vê mais vezes.

Enquanto eu pensava nisso, um barulho veio da porta. Meu coração quase parou. Será que era o papai? Eu queria tanto que fosse ele. Mas o barulho não parecia certo. Era como se alguém estivesse forçando a porta. Eu segurei meu cobertor mais forte, tentando me encolher no sofá, fazendo de conta que eu não tava lá.

A porta finalmente se abriu, mas não era o Dom ou Mia.

Era um homem alto, de cabelos grisalhos e um uniforme escuro. Ele entrou devagar, os olhos varrendo o apartamento como se estivesse procurando algo — ou alguém. Quando ele me viu, sorriu. Mas não era um sorriso como o do Dom. Era um sorriso que me deu medo, que fez meu estômago revirar.

_ Olá, Elio. - ele disse, a voz fria como gelo.

Eu não respondi. Não sabia quem ele era, mas algo no jeito dele me fez querer correr. Queria gritar, mas as palavras não saíam. Ele se aproximou mais, cada passo dele fazia o chão ranger levemente, como se estivesse pisando devagar de propósito.

_ Eu sou seu bisavô. - ele continuou, com aquele mesmo sorriso assustador. - E você vai vir comigo.

Bisavô? Eu não sabia o que ele tava falando. Nunca tinha ouvido falar de um avô antes quem dirá um bisavô. O Dom nunca mencionou ninguém da minha família. Mas eu sabia que algo não tava certo. O jeito que ele me olhava... era como se ele estivesse planejando algo.

_ O Dom... - tentei falar, mas minha voz saiu fraca. - Ele vai voltar.

O homem riu, uma risada baixa e sem alegria. Ele se aproximou ainda mais, até que estava bem na minha frente. Ele colocou a mão no meu ombro, e eu me encolhi, tentando fugir daquele toque.

_O Dom não pode te proteger agora, Elio. Você vem comigo.

Ele me puxou, me levantando do sofá, e eu tentei resistir, mas ele era muito mais forte que eu. As lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos, e tudo o que eu conseguia pensar era no Dom. Queria tanto que ele estivesse aqui. Ele me salvaria. Ele sempre me salvava.

Que não tive muito tempo com a Mia e eu queria tanto ter uma mãe de novo.

Enquanto o homem me levava para fora do apartamento, eu olhei para trás, esperando ver o Dom aparecer na porta a qualquer momento. Mas ele não apareceu. E a última coisa que eu ouvi antes de a porta se fechar foi o som da minha própria respiração pesada e o eco das palavras do homem:

_ O Dom e a Mia vão entender o que você significa para mim.

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