Capítulo Extra I (Elio)

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Elio Fenn - 18 anos
Janeiro, 2057
Rynvale, Valoria

O som dos passos pesados ecoava pelo longo corredor de concreto. Estava frio e escuro, o tipo de ambiente que eu já devia ter me acostumado, mas, honestamente, o nervosismo ainda me rondava como uma sombra insistente. Ser filho de Dom e Mia Fenn, os Comandantes de Valoria, carregava expectativas que pareciam inquebráveis, mas hoje era o dia em que eu estava decidido a provar que eu não era apenas "o filho deles." Eu era Elio Fenn. E eu estava prestes a entrar no exército de elite de Valoria, a Legião de Ferro.

Muita coisa mudou desde a época dos meus pais, mas o exército de Valoria continuou imponente.

Empurrei as portas duplas da sala de treinamento com força demais, quase como se estivesse despejando minha raiva em um gesto insignificante. Os olhares de alguns dos recrutas já presentes se voltaram para mim, e eu ignorei os sussurros habituais que sempre vinham quando meu nome era mencionado. Sim, eu era o filho deles, mas isso não importava agora. Isso nunca deveria ter importado. Eu ia conquistar meu lugar por mérito próprio, não pelo legado que meus pais deixaram.

Me aproximei da fileira de soldados que já estavam aquecendo, tentando parecer tranquilo. Meu objetivo era simples: ser o melhor. Superar qualquer coisa que meus pais tivessem feito e, mais importante, ser reconhecido por isso. Eles salvaram Valoria, sim, mas eu queria fazer ainda mais. Eu queria ser insuperável. Ser mais que uma sombra gloriosa do passado.

_ O que temos aqui? - uma voz afiada interrompeu meus pensamentos, me arrancando da introspecção.

Olhei para cima e encontrei o olhar dela. Capitã Talia Veras, a comandante da unidade de elite e, claro, minha superior imediata. Ela tinha a reputação de ser brutal, inflexível, e, para ser honesto, alguém com quem você definitivamente não queria cruzar.

Ela caminhou em minha direção com passos firmes e uma postura que gritava autoridade. Seus olhos eram duas lâminas afiadas que pareciam prontas para me cortar ao meio.

_ O garoto de ouro finalmente decidiu se juntar ao exército de verdade, é? - A voz dela era um desafio direto, carregada com uma ironia que fez meu sangue ferver.

Eu sabia que esse momento viria. Sabia que, eventualmente, alguém tentaria me derrubar, me testar. Eu mantive minha postura firme, encontrando o olhar dela.

_ Estou aqui para ser o melhor, não para brincar de herdeiro, se é isso que quer dizer, Capitã. - As palavras saíram com mais amargura do que eu planejei, mas não me arrependi. Deixe que ela soubesse desde o início que eu não estava ali para ser subestimado.

Ela levantou uma sobrancelha, o leve sorriso no canto de sua boca indicava que minha resposta não a impressionara. Ao contrário, parecia que a estava divertindo.

_Veremos se consegue aguentar o ritmo, Fenn. -  Ela deu meia-volta, me ignorando logo depois, como se já tivesse perdido o interesse.

Eu cerrei os dentes, a raiva se acumulando dentro de mim. Era sempre a mesma coisa. As pessoas olhavam para mim e viam "o filho do Comandante", mas nunca viam Elio. Nunca viam quem eu realmente era ou do que eu era capaz. E isso me corroía por dentro.

O treinamento começou e, como esperado, Talia pegou pesado. Ela não estava interessada em facilidades, e sinceramente, eu não esperava menos. Era a elite de Valoria, afinal. A diferença era que, a cada exercício, a cada comando dela, parecia que o alvo principal era eu. Ela exigia mais de mim, me testava em cada detalhe, como se estivesse esperando que eu falhasse. Como se estivesse ansiosa para provar que eu não era capaz de acompanhar o ritmo.

Um exercício particularmente complicado era o de combate corpo a corpo. Os recrutas estavam sendo emparelhados e, claro, Talia me chamou para lutar contra ela. Um sorriso provocador surgiu no rosto dela.

_Vamos ver se o garotinho Fenn sabe lutar como os pais, ou se vai chorar quando levar um golpe. -  Ela riu, estalando o pescoço e se preparando.

Respirei fundo, deixando a raiva que eu sentia me concentrar. Ela queria me humilhar na frente de todo mundo, isso era óbvio. Mas eu não ia permitir.

A luta começou, e eu parti para cima dela com tudo o que tinha. Minhas habilidades eram boas, eu sabia disso. Passei anos treinando com meu pai, e minha mãe também me ensinou mais do que qualquer recruta poderia aprender em uma vida inteira. Mas Talia era diferente. Ela era rápida, extremamente técnica e implacável. Cada golpe que eu dava, ela desviava com precisão e, em contrapartida, me atingia com força, sem piedade.

Ela me derrubou no chão mais rápido do que eu esperava, e quando me levantei, senti o olhar dos outros soldados sobre mim. Não podia deixar que aquilo acabasse assim. Não ia.

Com raiva, fui para cima de novo, ignorando a dor nos músculos e a humilhação de estar em desvantagem. Eu queria ser melhor que meus pais, queria mostrar que eu podia mais. Mas, no fundo, eu sabia que estava sendo movido por essa raiva, e isso estava me cegando.

Mais uma vez, ela me jogou no chão. Dessa vez, porém, ela ficou sobre mim, a expressão fria e dura. Seus olhos estavam fixos nos meus, e eu senti a frustração borbulhar dentro de mim. Ela abaixou-se um pouco, próxima o suficiente para que só eu ouvisse.

_ Se quer ser melhor que seus pais, Fenn, comece a lutar como você mesmo. Pare de tentar provar algo que ninguém se importa. Você é só um garoto tentando fugir da sombra dos pais. - Sua voz era baixa, mas cada palavra cortava como uma lâmina.

Aquilo me atingiu mais do que qualquer golpe. Fiquei em silêncio, sentindo o peso do que ela disse me esmagar. Ela se levantou e me deixou no chão, se afastando sem dizer mais nada.

O dia de treinamento continuou, mas as palavras dela não saíam da minha cabeça. Era isso que as pessoas viam? Um garoto tentando superar a sombra dos pais? E se ela estivesse certa? Eu estava lutando para provar algo, mas será que estava lutando pelas razões certas?

Quando o dia finalmente acabou, eu estava exausto, física e mentalmente. Me afastei dos outros recrutas, sentando-me sozinho em um canto do campo de treinamento. Precisava de tempo para pensar, para entender quem eu era nesse processo todo.

Talia passou por mim, e por um segundo nossos olhares se cruzaram. Ela não disse nada, apenas me deu um pequeno aceno com a cabeça, como se reconhecesse algo em mim. Talvez respeito, ou talvez só a confirmação de que eu precisava entender isso por mim mesmo.

E naquele momento, eu soube que a luta real não era contra Talia, ou contra as expectativas dos outros. A verdadeira luta era comigo mesmo.

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