Capítulo Extra IV (Elio)

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Elio Fenn - 18 anos
Abril, 2057
Rynvale, Valoria

A Capitã Ivy Renard sempre foi um enigma para mim. Desde o primeiro dia em que pisei no campo de treinamento, senti que ela me via de uma maneira diferente dos outros. Era como se ela estivesse me avaliando, procurando uma fraqueza, uma falha que pudesse explorar. Mas o que mais me irritava era o fato de que eu nunca sabia exatamente o que ela pensava. Ela me provocava, me desafiava, e, ao mesmo tempo, havia algo por trás daquele olhar afiado que eu não conseguia decifrar.

No começo, pensei que era apenas uma questão de respeito. Ela queria testar minha resistência, me colocar à prova para ver se eu aguentaria a pressão. E, como filho de Dom e Mia Fenn, eu sabia que isso viria de qualquer superior. O sobrenome Fenn sempre carregou um peso, uma expectativa. Mas com o tempo, percebi que havia algo mais na forma como ela interagia comigo.

Após semanas de treinamento duro com ela, onde cada erro meu era amplificado e cada acerto, ignorado, uma noite, durante um exercício de simulação, algo mudou.

Era um treinamento noturno, no meio de um terreno montanhoso e traiçoeiro. A missão era simples: infiltrar-se em uma base inimiga simulada e resgatar um grupo de reféns. O pelotão estava dividido em equipes, e eu, para variar, estava sob o comando da Capitã Renard. Tentei ficar na equipe da Talia mas consegui nem falar antes da Ivy deixar claro que iria na equipe dela.

Conforme avançávamos pelos terrenos rochosos e íngremes, eu sentia o peso de cada decisão que tomava. Sabia que cada movimento era observado por ela com olhos críticos.

Em determinado momento, uma explosão simulada acertou o terreno próximo de mim. O chão tremeu e pedras começaram a desmoronar, me jogando no chão. Senti uma dor aguda na perna, mas quando tentei me levantar, percebi que estava preso embaixo de uma pedra. Por mais que tentasse me soltar, o peso era insuportável.

Foi então que a Capitã apareceu.

_ Fenn! - sua voz ecoou na escuridão. Seus olhos, normalmente frios e calculistas, estavam agora cheios de algo que eu não conseguia definir.

_ Estou preso, senhora - respondi, tentando manter a calma.

Ela se aproximou rapidamente, analisando a situação. Sem dizer uma palavra, começou a empurrar a pedra com toda sua força. Eu tentava ajudar, mas a dor em minha perna me impedia de fazer muito esforço. Com um último impulso, ela conseguiu mover a pedra o suficiente para que eu pudesse me soltar.

_ Não se mova, sua perna está machucada - ela ordenou, sua voz autoritária como sempre, mas havia algo diferente. Algo mais suave em sua preocupação.

_ Eu consigo andar - retruquei, tentando me levantar, mas falhando miseravelmente quando a dor aumentou.

_ Fique quieto, Fenn. Esse é o problema com você. Sempre tentando provar algo - ela murmurou, se ajoelhando ao meu lado.

Fiquei em silêncio, observando-a enquanto ela verificava minha perna. Seus dedos eram ágeis e firmes, mas também cuidadosos. O toque dela, apesar de firme, parecia mais gentil do que eu imaginava.

_ Por que você faz isso? - perguntei, sem conseguir conter a pergunta. - Por que sempre me testa? Parece que está esperando que eu fracasse.

Ela parou por um momento, seu olhar fixo na minha perna, mas sem realmente ver o que estava à sua frente. Quando finalmente ergueu os olhos, havia uma mistura de emoções que eu nunca tinha visto antes. Era como se, pela primeira vez, ela estivesse baixando a guarda, permitindo que eu visse uma fração do que estava por trás daquela fachada inabalável.

_ Porque você precisa ser melhor do que pensa que é - respondeu, a voz baixa, mas firme. - Porque, se você fracassar, não estará apenas decepcionando a si mesmo. Estará decepcionando todos que confiam em você. Seus pais... seus irmãos... Laila.

A menção da minha irmã fez meu peito apertar. Como ela sabia sobre isso? Não tinha falado sobre Laila com quase ninguém aqui.

_ Você sabe sobre a minha irmã? - perguntei, surpreso.

Ela assentiu levemente, os olhos voltando para a minha perna enquanto terminava de improvisar uma tala.

_ Sei mais do que você pensa, Fenn. E sei que essa responsabilidade pesa sobre você. Mais do que qualquer um poderia imaginar.

Fiquei em silêncio por alguns momentos, absorvendo suas palavras. Aquela era a primeira vez que ela falava comigo de uma forma tão direta, sem as camadas de ironia ou crítica que sempre acompanhavam suas instruções. Era como se, por um breve momento, ela estivesse me enxergando como mais do que apenas um cadete sob sua supervisão.

Quando ela terminou de cuidar da minha perna, me ajudou a levantar, mantendo uma mão firme em meu braço para me apoiar.

_ Não pense que isso muda alguma coisa - ela disse, enquanto começávamos a caminhar devagar em direção ao ponto de extração. - Você ainda precisa se esforçar mais. E vou continuar exigindo o melhor de você.

Eu sorri de leve, embora a dor em minha perna estivesse me incomodando.

_ Não esperava menos de você, Capitã.

Ela não respondeu, mas notei um ligeiro sorriso se formando em seus lábios, algo que eu nunca tinha visto antes. Era sutil, mas estava lá. E, naquele momento, algo mudou entre nós.

Nos dias que se seguiram, a dinâmica entre mim e a Capitã Renard parecia mais complexa. Ela continuava a me testar, a me pressionar, mas agora havia algo diferente em nossos olhares, algo que antes não existia. Eu começava a perceber que, por trás de toda a rigidez, havia uma admiração mútua, uma conexão que crescia a cada interação. As provocações dela, que antes me frustravam, agora me desafiavam de uma forma diferente. Havia uma tensão que eu não conseguia ignorar.

E, no fundo, eu sabia que ela também sentia.

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